ACORDO ORTOGRÁFICO

O autor dos textos deste jornal declara que NÃO aderiu ao Acordo Ortográfico e, por isso, continua a adoptar o anterior modo de escrever.

terça-feira, 19 de abril de 2011

E AGORA… TODOS “À RASCA”!

Até há uns anos atrás, “à rasca” era coisa feia de dizer nem que o ventre rebentasse por uma enorme vontade de fazer xixi! Não se dizia isso, nem “bué”, nem “tá-se”, nem tantas outras palavras com que agora se constroem frases das quais, algumas vezes, me custa perceber o sentido.
Há palavras novas que fazem a linguagem mudar ao longo do tempo, como mudam os juízos, as atitudes e o significado de muitas e muitas coisas. Mas também velhas palavras e termos, como “recorrente”, “em cima da mesa” e outros, a par de americanismos como “vinte e quatro sobre vinte e quatro horas”, se tornaram insistentes num discurso cada vez mais pobre, monótono e desagradável.
Não sou um “modernista” para quem tudo o que é recente é melhor, nem um saudosista dos “bons velhos tempos” que desdenha de tudo o que é novo porque sei que o valor das coisas não depende necessariamente da sua idade, ainda que não seja indiferente às circunstâncias.
Tento adaptar-me à mudança, ser compreensivo quanto aos desejos de diferença mas não consigo deixar de ser conservador quando se trata de princípios e de valores básicos nos quais as “modernices” nunca me convencem.
Respeitar o semelhante, ter especiais cuidados com os mais velhos, com os mais fracos e com os menos dotados, dar-lhes prioridade, ajudá-los, são princípios de respeito e de solidariedade que me ensinaram mas que noto cada vez mais ignorados ou oportunistamente aproveitados.
Tenho, ainda, como exemplos de nobreza Egas Moniz que, de corda ao pescoço, se apresentou ao Rei de Leão como responsável pela rebeldia do seu pupilo Afonso Henriques ao fundar Portugal e, para além de outros, D João de Castro, Vice-Rei da Índia, que fez dos “pelos das suas barbas” penhor da sua honradez. Atitudes “simplórias”, dir-se-á do que para alguns será, à luz dos seus princípios de comportamento, motivo de chacota!
Antes, os homens responsáveis deviam, pelo que eram e pela sua conduta, dar confiança e garantia de seriedade tal como à mulher de César se exigia, para além de ser séria, que séria parecesse, também.
Há muito que lá vai o tempo em que as coisas eram quase o que pareciam, as palavras tinham um significado compreensível e enganar ou dar o dito por não dito era próprio de charlatães.
Frontalidade é agora, demasiadas vezes, o nome que se dá à grosseria, a brejeirice passou a ser o toque chique da linguagem dos pretensiosos, o oportunismo disfarça-se com as virtudes da oportunidade e a vigarice intelectual tornou-se o meio mais eficaz para o sucesso em carreiras em que apenas os competentes deveriam singrar.
Os resultados destas “novidades” começam a notar-se no estado calamitoso de Portugal e da Sociedade Portuguesa, governados pela “esperteza saloia” daqueles que não vivem a vida dos que por ela mais têm de lutar e, por isso, não podem entender o porquê das preferências de investimento em obras de fachada que arruínam o país e do pedido de mais e maiores sacrifícios que mais dura tornam a sua já penosa luta.
Se os “velhos” tem alguma vantagem, será a protecção que a longa vivência lhes dá contra as patranhas dos vendedores de ilusões, o que, infelizmente, não reduz os riscos dos que, por si, estão neste mundo do qual esperavam o que lhes não dá porque, antes, outros o exauriram.
É a “geração à rasca” porque acreditou em promessas dos que, com fome de poder, prometem o que não podem dar, garantem o que sabem não poder fazer e, de malabarismo em malabarismo, criam situações que conduzem a perdas sucessivas de soberania de um país com quase 900 anos.
É o “país à rasca” pelos erros sucessivos de quem não sabe governar para bem dos portugueses, ainda que faça do Estado Social, ao qual não garante os meios nem as condições, uma bandeira que os ventos cada vez mais fortes das evidências vão esfarrapando!
Bom seria que sem arrogância, com atitudes mais sóbrias, palavras mais claras e oportunidade real se voltasse a governar este país, sem sonhos de grandezas impossíveis e com um discurso sério e compreensível como o bom português permite que seja.
Que regresse o orgulho de sermos portugueses, que volte o brio da verdade, que renasça o espírito de causa que já nos fez grandes e se perca, para sempre, o ridículo de querermos ser o que não somos.
Ao longo de mais de dois anos, referi-me aqui aos riscos de uma crise profunda e longa mesmo quando alguns já viam “luzinhas ao fundo do túnel”, critiquei uma governação sem qualidade e perigosa que nos conduziria ao desastre, falei dos perigos de uma geração sem futuro e de um país sem rumo.
Mas é um daqueles casos em que ter razão não nos trás qualquer conforto.
Rui de Carvalho
10 Março 2011
PUBLICADO NO NOTÍCIAS DE MANTEIGAS DE ABRIL

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