ACORDO ORTOGRÁFICO

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

OS SETE MIL MILHÕES E A POBREZA

(publicado no número de Dezembro do Notícias de Manteigas) .................................................. Neste momento em que escrevo, o evento mais em foco é, sem dúvida, o astronómico número de sete mil milhões de seres humanos que habitam este nosso Planeta! É um momento especial. Tanto que a ONU decidiu fazer dele um marco, definindo o dia e até o indivíduo que passariam à História como o momento em que a população mundial atingiu aquele número e a pessoa que o fez atingir, ainda que de um modo simbólico pois é impossível dizê-lo de ciência certa. Foi escolhida uma menina das Filipinas, numa zona pobre de natalidade elevada. Neste momento significativo na História do nosso mundo, a necessidade de uma reflexão levou-me a adiar, uma vez mais, a crónica sobre os “recursos naturais” que já havia anunciado. Desculpo-me por isso, mas são inúmeros os pensamentos que me assaltam perante este gigantesco número de pessoas que não pára de crescer. O que significa e o que prenuncia? Além dos poucos mais de dois mil milhões que éramos quando nasci, a população deste nosso mundo cresceu cinco mil milhões ao longo da minha vida. Mais do que triplicou e, a crescer a este ritmo, talvez eu possa estar ainda presente quando a ONU anunciar o habitante oito mil milhões! Ou talvez não, sabe-o Deus. O mundo não teria mais de trezentos milhões de pessoas quando Portugal nasceu nem mais de quinhentos milhões quando se lançou na aventura dos descobrimentos, quando Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas, Vasco da Gama chegou à Índia, Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, Fernando Magalhães deu a volta ao mundo e não mais do que metade deste número seria o dos habitantes da Terra quando Cristo andou pela Palestina. Era uma evolução muito lenta a da população humana, uma “evolução primitiva” que passou a crescer mais no Século XVIII depois da Revolução Industrial que teve o seu início quando não seríamos mais de 800 milhões espalhados por um mundo então imenso. Foi o início de uma “revolução demográfica” que se acentuou depois do início do Século XX. Mas foi depois da Segunda Guerra Mundial, quando grandes avanços tecnológicos e de planeamento fizeram crescer, ainda mais, a indústria que a dinâmica demográfica que se intensificou e fez a população do mundo passar de cerca de dois mil e quinhentos milhões para um pouco mais seis mil milhões no início do Século XXI. A partir de então, apenas onze anos bastaram para sermos sete mil milhões. Uma autêntica “explosão demográfica” que reduz o mundo, antes imenso, às dimensões da aldeia global em que se tornou! Tudo acontece demasiadamente rápido, sem tempo para entender para onde caminhamos, pois falta tempo neste tempo que passa tão veloz. O certo é que a população mundial não pode continuar a crescer indefinidamente e, com ela, outros números que, de perto, a acompanham. É, pois, inevitável que este crescimento vertiginoso volte a colocar uma questão que há dezenas de anos já provocou, de diversos cientistas, uma chamada de atenção que o estrondo do crescimento económico imparável não deixou que fosse ouvida. Agora está provada a razão que tinham, pelo que as circunstâncias exigem uma renovada atenção para a capacidade de suporte do Planeta, o que não é mais do que o problema de futuro que tento abordar no que escrevo sobre solidariedade, sobre ambiente, sobre recursos naturais. É o futuro dos nossos filhos e netos que está em causa, bem como de outros mais distantes de nós, seja no espaço ou no tempo, porque também são o “semelhante” com quem nos devemos preocupar. Um estudo sério se impõe a partir deste momento em que tanta desigualdade há no mundo e tantas dificuldades a Humanidade enfrenta, problemas que, pelo caminho que trilhamos, tornam a esperança de erradicação da pobreza cada vez mais ténue. No ano 2000, investigadores da Universidade das Nações Unidas concluíram que 2% dos mais ricos do mundo detinham mais de metade da riqueza mundial, dos quais 499 possuíam, cada um, mais de mil milhões de dólares! Em contrapartida, mais de 40% da população mundial vive em condições de grande pobreza, metade da qual dispõe de muito menos de um euro por dia para viver, se esta for a palavra certa para definir o calvário de tal gente. Esta situação é inaceitável e, mais do que isso, insustentável e perigosa. Um problema de que o Homem deveria tomar conta antes de a Natureza ter de o fazer. Será a simples redistribuição da riqueza existente, como alguns demagogos apregoam, a solução para estas desigualdades profundas? Não é, com certeza, e afirmá-lo não passa de um erro grave e de um equívoco perigoso! Para além dos falhanços históricos dos que tentaram fazer igual o que não é, dos que quiseram impor pela lei o que só depende da vontade e dos que proclamaram como direitos o que apenas o esforço e a competência podem proporcionar, a abissal diferença entre os muito poucos que têm demais e os tantos que quase nada têm, torna evidente que tudo quanto os ricos possuam nunca será bastante para proporcionar a vida digna que todos merecem ter. A solução para acabar com a pobreza terá de ser outra, diferente da que os atuais modelos económico e político consentem. De fracasso em fracasso, as alternativas foram-se esgotando e é cada vez mais óbvio que as que restam não passam de expressões recicladas de outras tantas vezes falhadas também. Por isso, outro paradigma terá de ser adoptado porque novos problemas se perfilam na série de dificuldades que temos de enfrentar em consequência dos desequilíbrios que causamos com a intervenção, cada vez mais agressiva, nos processos naturais cujo ritmo é, desde há muito, insuficiente para as necessidades de uma economia que sempre precisa de mais para não morrer. Nesta contradição de ir crescendo a exaurir o que necessita para crescer, a economia não consegue combater a pobreza que aumenta com os habitantes do Planeta e, apenas por instantes, a caridade pode mitigar. As ações com que tantos procuram ajudar os mais necessitados não fazem parte da filosofia político-económica que estrutura o nosso modo de viver. Por isso, aqueles aos quais oferecemos apoio caridoso ficam mais aconchegados no momento em que o recebem mas, depois, continuam tão pobres como eram. Desta pobreza persistente se alimenta o consumismo que faz da necessidade de sobreviver a razão para a explorar e, a preços que não pagam o sofrimento que lhe causa, vender o que produz àqueles que dizem querer erradicá-la! Curiosa a vida neste Planeta sobrelotado, cujo futuro não é fácil de prever porque depende de criaturas tão estranhas e imprevisíveis como são as que têm a tola pretensão de o dominar. *** Mais um Natal está a chegar e mais um tempo de evocação do amor será aclamado. Mas outro Carnaval depressa chegará e fará a vida voltar ao que era antes. Nesta roda viva acelerada, mas na esperança de melhores dias, a todos desejo um Feliz Natal com Missa do Galo, mesa farta e muita alegria. Rui de Carvalho 31 de outubro de 2011

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