ACORDO ORTOGRÁFICO

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quarta-feira, 20 de julho de 2011

O RUMO CERTO?

Num mundo instável, onde levantamentos populares fazem cair regimes, radicalismos se instalam aqui e ali e dificuldades que parecem não ter fim vão enfraquecendo países fortes, sobejam as confusões e as incertezas que, não raras vezes, desvalorizam o que se tinha por garantido, tornando difícil decidir o que fazer para cuidar do dia de amanhã. Não é tranquilo viver em condições como estas em que tanta gente se sente desnorteada, não faz ideia do que vai acontecer, teme pelo seu futuro e pouco ou nada confia nas instituições que a deveriam proteger. Se, para além de tudo isso, as circunstâncias impõem sacrifícios não fáceis de suportar, nasce o desespero, instala-se a revolta, tenta-se aliviar a dor em gritos de protesto! Surgem as tensões e os desentendimentos que tantas vezes justificam dizer “casa onde não há pão, todos ralham mas ninguém tem razão”.
Esta será, se a não evitarmos, a mais grave das consequências de uma situação em que as dificuldades já são muitas e apenas possíveis de superar com o empenhamento de todos.
Mas sempre haverá quem se não conforme com as perdas que sofreu, com os ganhos que não conseguiu ou, mesmo, quem não consiga libertar-se de fundamentalismos tacanhos que tolhem o entendimento e se aproveitam das fragilidades sociais para incitar a perturbações que melhores resultados não terão do que mais complicar coisas já difíceis.
Tudo é feito em nome da liberdade democrática cujas virtudes se exaltam. Porém, na hora de aceitar as soluções que a maioria escolheu e quando cooperar e não comprometer a recuperação do país é a atitude que permite encontrar as melhores soluções de que a democracia é capaz, a ambição e as lutas políticas podem acirrar-se, comprometendo esforços e tornando ainda maiores os sacrifícios que para muitos já são demais.
É para evitar tais desmandos e tornar tão curto quanto possível o tempo de privação que o civismo e a solidariedade são o que mais pode ajudar. Porém, dispensáveis na vida descuidada a que durante tempo demais nos habituámos, são virtudes quase ausentes porque pouco cultivadas.
O que se passa na Grécia não é, por certo, modelo que nos possa seduzir. Para trilhar melhores caminhos Portugal precisa de um governo forte mas, sobretudo, precisa de um povo determinado a mostrar as razões pelas quais o seu país tem quase mil anos de História.
Não se trata de revivalismo caduco de uma grandeza que já não temos, mas de recuperação da dignidade perdida em ilusões de grandeza que a nossa actual condição não consente.
Aos que afirmam que o programa do novo governo não é mais do que o acordo assinado com a “troika”, os riscos que o FMI refere quando diz “mesmo que o ajustamento doméstico seja feito segundo os compromissos assumidos ao abrigo do programa, pode haver repercussões decorrentes de agravamento de problemas no resto da periferia” mostram que o não pode ser. Para além da execução das “medidas” que o acordo impõe em contrapartida do apoio financeiro concedido, será necessário muito trabalho para minorar os efeitos negativos que delas podem resultar e, também, para dar dimensão social e tornar economicamente eficazes as reformas que terão de ser feitas.
O acordo com o FMI está, pois, muito longe de ser um programa de governo e as próprias “medidas” impostas não serão bastantes para reerguer o país que se deixou resvalar para uma situação de dependência humilhante, da qual só poderá sair com uma dignidade que reponha os seus créditos de país quase milenário.
O FMI alertou, também, para a “substancial consolidação orçamental” e para a “reforma estrutural” acordadas que requerem, para além de um crescimento económico capaz de sustentar a despesa pública, um “consenso continuado” que evite as crises sociais e a instabilidade política que tendem a acontecer em momentos como o que vivemos.
Acrescente-se a tudo isto uma nova mentalidade de produção e de consumo, inteligente, controlada e sem desperdícios, que permita um melhor aproveitamento dos meios e das potencialidades, do que não resultará uma redução da qualidade de vida porque não afectará mais do que o consumo excessivo e sumptuário, enquanto poupará recursos e permitirá constituir as reservas que protegerão de novas e inevitáveis crises.
Não creio que, por melhor que as coisas corram, seja alcançado o bem-estar a que muitos se julgam com direito sem ter o dever de para ele contribuir. Desta vez o esforço terá de ser de todos, sem falsos direitos, porque a alternativa a abdicar de alguns poderá ser perde-los todos!
O futuro é incerto, complicado e tem de ser conquistado dia a dia, num constante esforço de atenção pelas mudanças que são próprias da vida, no respeito pela dignidade humana, numa continuidade em que os excessos, mais cedo ou mais tarde, serão causa de penosas rupturas como esta que tanto ainda nos vai fazer sofrer.
Porém, esta é uma etapa que a incompetência de um governo e os “descuidos” de um povo tornou inevitável, a de mobilizar, de novo, todos os portugueses, reaproveitar os recursos desprezados, organizar e limpar a casa para, depois, escolher um novo rumo. O rumo certo?
Rui de Carvalho
Lisboa 18 Junho 2011

PUBLICADO NO NÚMERO DE JULHO DO NOTÍCIAS DE MANTEIGAS

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