(Publicado no nº de Agosto do Notícias de Manteigas
Reduzir despesas é uma imposição da debilidade das finanças nacionais, sendo a “limpeza das gorduras do Estado” uma das parcelas da redução a fazer.
Já diminuído o número de ministros, desejada a redução do número de deputados e estando em mira a extinção de muitas entidades públicas, é inevitável que alterações ocorram, também, nas autarquias locais. A eliminação de mil a mil e quinhentas Freguesias deve ser o primeiro passo. No que respeita a Concelhos, como o “acordo de ajuda financeira” também exige, ficará para decidir mais tarde.
Muitos pequenos Concelhos do “interior” poderão, pois, ser extintos, o que, a acontecer sem uma reestruturação administrativa global, seria uma solução igual a tantas outras que já por aí se adotaram, grosseira, simplista, impensada, arbitrária e perigosa porque ignora as exigências básicas do desenvolvimento equilibrado, como Portugal não tem, e do aproveitamento benéfico e integral de recursos, como Portugal não faz. Por isso é pobre!
Para justificar o subdesenvolvimento de muitas regiões, põe-se a culpa na “interioridade”, o que não passa de um sofisma que encobre a incapacidade de administrar integralmente o território nacional, consequência de uma visão míope e egoísta que pouco alcança para além das regiões de Lisboa e do Porto e, por arrastamento, do estreito corredor que medeia.
Não faz sentido que num país geograficamente pouco extenso, com a forma de retângulo alongado paralelo ao mar, se considerem “interiores” regiões com uma distância média ao litoral de pouco mais de uma centena e meia de quilómetros. É uma aberração que resulta de um centralismo exacerbado do qual, desde sempre, o poder central não quis abrir mão.
O despovoamento do “interior” que o priva do seu mais valioso recurso, o humano, é consequência inevitável de economias regionais débeis que o poder central descuida e as autarquias locais, sem capacidade financeira e sem competências políticas bastantes, não conseguem desenvolver em conformidade com as potencialidades dos respectivos territórios. As desigualdades regionais resultantes são causa de mais migrações, o que, progressivamente, acentua os desequilíbrios, deixando recursos inaproveitados por falta de meios humanos, de condições financeiras e de competência política. Um empobrecedor ciclo vicioso de que há muito tempo nos damos conta!
Algumas foram já as iniciativas de organização administrativa territorial do país, a última das quais, para além dos “distritos”, criou as “províncias” cujos nomes, do Minho ao Algarve, conseguiram afirmar-se sem que, no entanto, lhes correspondam quaisquer funções ou efeitos administrativos.
Mais do que os distritos, onde um Governador Civil tinha um conjunto restrito de funções burocráticas por delegação de competências do poder central, os municípios têm competências próprias mas limitadas que muito dificilmente os reduzidos peso económico e dimensão geográfica permitirão acrescentar. Apesar disso, são as autarquias que promovem o desenvolvimento local na medida ao seu alcance e pugnam pelos interesses das suas populações, sem o que, para além dos maiores centros urbanos, o desinteresse seria o denominador comum.
Porque os distritos e as províncias são inutilidades administrativas, há uma desmedida lacuna de poder entre a administração central e as centenas de administrações municipais que as “associações de municípios” não conseguem preencher, a qual desprotege os interesses locais e faz desleixar tarefas importantes que competências autárquicas regionais, mais amplas e mais estáveis, deveriam realizar, bem como fariam prevalecer interesses e direitos regionais e locais que agora ninguém tem força para defender e, menos ainda, para impor.
Na árdua batalha para a recuperação, não serão atos de simples poupança que nos farão ser bem sucedidos. Evitar desperdícios, reconhecer, aproveitar e valorizar os recursos disponíveis e potenciais, onde quer que estejam, são o complemento indispensável à criação de riqueza, porém impossível sem uma administração eficaz de todo o território. Não o sendo a que Portugal possui, como o provam os desequilíbrios profundos que gerou, haverá que alterá-la com inteligência e ponderação, o que não será o resultado que se alcança com ações discricionárias que eliminem Concelhos e Freguesias sem outras razões para além da poupança de recursos financeiros insignificantes perante a enormidade do problema que o país enfrenta.
Portugal possui uma enorme riqueza na sua diversidade territorial, a qual justifica um nível administrativo de proximidade como o que corresponde aos concelhos e às juntas de freguesia. Porém, como é fácil de verificar, os limites destas autarquias, tal como os dos distritos e das províncias, não foram estabelecidos segundo critérios de ordenamento do território que visassem a criação de espaços estruturáveis, o aproveitamento racional dos recursos naturais próprios, a constituição de pólos de atracão social e económica e o desenvolvimento harmonioso do país. Daí que tal facto, aliado às insuficientes competências das Autarquias Locais, não permita os resultados que administrações mais competentes alcançariam.
É natural, pois, que a racionalização da administração autárquica seja uma medida necessária ao desenvolvimento económico do país, sobretudo através da melhor definição das áreas de intervenção, dos objectivos e das competências, propósito que se não atinge sem um estudo profundo que abranja todos os aspectos que para ela concorram. Mais uma razão para que se não façam “amputações” e “ajustamentos” arbitrários que, por certo, seriam contraproducentes.
O Concelho de Manteigas é, quanto aos seus limites geográficos, uma área administrativa truncada. O que, para fazer sentido como região homogénea, deveria corresponder à totalidade do troço Superior do Rio Zêzere, não ia, até há bem pouco tempo, além de Sameiro. Alargou-se a Vale de Amoreira, mas ainda ficaram de fora Famalicão, Valhelhas, Verdelhos e Sarzedo que, embora fazendo parte do mesmo espaço, a Bacia Hidrográfica do Alto Zêzere, apenas dão mais área aos já extensos Concelhos da Guarda e da Covilhã, sem que de tal retirem as vantagens que uma administração conjunta com outras áreas afins lhes poderia proporcionar. Redimensionado e com mais adequados planos de gestão, o Concelho de Manteigas teria condições para se desenvolver e se repovoar. De outro modo, a um território confinado e com características singulares apenas lhe restará estiolar ou ser anexado a outro espaço administrativo com características, perspectivas de desenvolvimento e recursos dominantes bem distintos, tornando-se num “trás-de-serra” escondido, ignorado e definhante, em vez de um local de excelência em que uma boa administração certamente o tornaria. Por vezes, mais não será necessário do que de alguma imaginação para transformar em riqueza tantas das coisas que possui, incluído o próprio isolamento que o protege de um mundo menos tranquilo, mais degradado e exaurido. Esta é uma característica cada vez mais rara, por isso cada vez mais valiosa que seria lamentável continuar a desperdiçar.
Do ponto de vista de um ordenamento do território inteligente e, consequentemente, de criação de condições de desenvolvimento económico e social, nada justifica o desaparecimento do Concelho de Manteigas. Pelo contrário, a sua continuidade em condições de aproveitamento das potencialidades da região única que é, evitará que fique abandonada ou seja explorada na medida de interesses bem distintos dos que os seus recursos e as suas caraterísticas justificariam. O que seria mais um erro gritante no aproveitamento dos recursos locais e nacionais!
Mas tenho pouca esperança na sensatez que melhore as condições administrativas do país e, com isso, o seu desenvolvimento harmonioso sem a “regionalização” racional de que carece. Ao contrário, posso imaginar enormes bocarras que já salivam na perspetiva de “ferrar” um território pelo qual os seus naturais pouco têm pugnado como aconteceu, por exemplo, relativamente aos interesses na zona termal das Caldas, no turismo da Serra da Estrela e no “Parque Natural da Serra da Estrela” do qual, pasme-se, Manteigas foi feita sede sem o ser!!!
Vão os manteiguenses continuar a não agarrar o futuro, a ver o seu Concelho mirrar, a não fazer respeitar os seus direitos, a permitir que sejam estropiados os interesses que são seus, a demitir-se das responsabilidades que lhes competem no desenvolvimento da sua região?
Quando, se alguma vez, Manteigas compreenderá que o seu futuro se alcança trilhando caminhos bem distintos dos que outros concelhos percorrem? Parece-me ser bem o contrário do que tem sido feito.
Quando entenderá Portugal que as assimetrias regionais são a prova e a causa da sua fraqueza económica, pelo que é urgentíssimo corrigi-las?
Rui de Carvalho
30 junho 2011
Nota: Escrito antes do XIX Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses cujas conclusões aconselharia a ler.
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