Sempre me lembrarei do que, naquele
dia, já longínquo, quando visitei as obras de construção do túnel da Mancha, me
disse um dos colegas ingleses que me acompanhou na visita: “finalmente,
a Europa vai deixar de estar isolada”.
Uma das muitas brincadeiras que por
aí se dizem, afirmou ele com aquele ar que nos deixa na dúvida quanto às
verdadeiras intenções com que se dizem certas coisas.
Ao longo do tempo, reparando no
comportamento dos ingleses nas suas negociações com a Europa e nas excepções ou
vantagens que, com elas, iam conseguindo, fiquei com poucas dúvidas de que ou
lhes davam tudo o que queriam ou, mais cedo ou mais tarde, sairiam.
E fizeram um referendo!
O apuramento de resultados da
votação foi divulgado por áreas, revelando-se a disputa bastante acirrada. O
"sair" começou à frente e chegou a ser ultrapassado pelo desejo de
continuar na UE, mas logo retomou a liderança e foi ganhando vantagem até atingir
quase os 51,9% dos votos que lhe deu a vitória por cerca de 1.200.000 votos.
O referendo, que englobou toda a
Grã- Bretanha que inclui, para além da dominante Inglaterra, o País de Gales, a
Irlanda do Norte e a Escócia, mostrou, nos resultados apurados, um Reino Unido desunido.
Apesar da vitória global do
"sair", votaram pela permanência a Escócia (62,0%), a Irlanda do
Norte (55,8%) e a região de Londres (59,9%). Todas as demais regiões da
Inglaterra e o País de Gales votaram por "sair", com percentuais que
variaram de 52,5% (País de Gales) a 59,3% (West Midlands).
Na Escócia, o "permanecer"
venceu em todos os distritos. Como se esperava, aliás, pelas intenções separatistas
que esta votação terá reforçado.
A chefe de governo escocês, Nicola
Sturgeon, disse que "A votação aqui mostra claramente que os escoceses
vêem seu futuro como parte da UE". E se antes desta Separação, à
independência da Escócia quase se opunha a eventual saída da UE, as
circunstâncias mudaram e o independentismo ganha novas forças.
Por sua vez, o chefe do movimento
Sinn Fein, da Irlanda do Norte, afirmou que vai pedir um referendo sobre a
união do país com a Irlanda que, como sabemos, faz parte da UE.
Por outras “nações” sem Estado que
abundam por essa Europa fora – só aqui na vizinha Espanha – a Catalunha e o
País Basco reivindicam independências – a geografia política tenderá a
alterar-se. Quem sabe, até, se novos casos, até agora sossegados, não virão a
surgir.
Parece que o “small is beautifull,
aquele ideal de economia em que “as pessoas contam” que EF Schumaker divulgou, poderá
fazer o seu caminho contra a ideia de quanto maior melhor, tanto mais que as
conclusões aterradoras de um estudo muito recente, feito com equipamentos e
dados fornecidos pala NASA, não levam para além de umas dezenas de anos a
perspectiva de futuro da Humanidade tal como a conhecemos.
É a vitória do individualismo sobre
a carneirada que, mesmo sem deixar de ter os seus “senões” nos pode afastar
desta vereda que nos conduz à despersonalização, bem visível quando não é o meu
nome que permite encontrar a minha ficha, mas o número de contribuinte!
Ao contrário dos “inteligentes” que,
em breve, farão a antevisão do que vai passar-se, eu não faço ideia do que vai
suceder. Mas que muita coisa vai mudar, isso vai!
Irão seguir-se negociações que não
serão fáceis, nas quais espero a UE saiba olhar-se como o todo que uma parte
quer deixar e não o contrário, assuma o seu estatuto e entenda, finalmente, os
riscos dos erros que tem cometido.
Após o “brexit”, vai ter de ser
invocado o artigo 50 do Tratado de Lisboa que prevê um prazo de dois anos para
a negociação da saída de um Estado-membro do bloco europeu, processo que
Cameron não quis comandar e, por isso, se demitiu.
Assinado a 13 de Dezembro 2007, e em
vigor desde 01 de Dezembro de 2009, o Tratado de Lisboa que emendou o Tratado
da União Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da UE prevê, pela primeira
vez, de forma explícita no seu artigo 50, a possibilidade de qualquer Estado
sair da forma voluntária e unilateral da União.
É o que vai suceder com a
Grã-Bretanha.
E depois, quem vai seguir-se?
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