ACORDO ORTOGRÁFICO

O autor dos textos deste jornal declara que NÃO aderiu ao Acordo Ortográfico e, por isso, continua a adoptar o anterior modo de escrever.

sábado, 21 de abril de 2012

DO OUTRO LADO DO TÚNEL

(Publicado no número de Abril do Notícias de Manteigas)

Estreito, escuro e frio, assim nos parece o longo “túnel” que somos forçados a percorrer neste momento dramático de um mundo que, a cada instante, nos surpreende.
Mais de três anos já são passados nesta confusão que uns dizem ser mais uma crise e outros entendem ser o fim de um ciclo, ainda sem perspetivas de quando, outra vez, se faça luz que não seja a que, por vezes, parece ver-se lá ao fundo.
Estou do lado dos que pensam tratar-se da fase final de um modo de viver gastador e apressado que uns quantos expedientes prolongarão ainda um pouco mais, mas após o que, inevitavelmente, as circunstâncias nos imporão outros comportamentos, mais sóbrios e mais pausados, próprios da realidade que a dependência de forças maiores nos impõe.
Foi esta mensagem que, baseado na experiência que retirei do muito que a vida já me ensinou, senti necessidade de deixar aqui, ainda que não convencido de que seja de muita ajuda para aqueles que grandes fragilidades tornarão as vítimas mais expostas à confusão de uma transição que não pode deixar de ser conflituosa, ou de que possa ser de alguma utilidade para os que mais resistência oponham ao desapego da ilusão que foi a abastança que viveram e se tornou nas preocupações que vivem.
Recordo-me de ter mostrado aqui como, numa escala de tempo mais adequada à apreciação dos macrofenómenos, degradámos o ambiente indispensável à vida em apenas um curtíssimo lapso de tempo, pondo em risco o futuro da Humanidade. Mas, também mostrei como, ao longo de uma simples vida, a população do mundo triplicou, os recursos naturais foram delapidados, alguns até quase à exaustão, milhares de espécies de seres vivos foram eliminadas, a produção de alimentos se tornou insuficiente, as toxinas a que estamos expostos cada vez mais nos invadem, contribuímos para as alterações climáticas, a fome no mundo aumentou… Enfim, problemas numerosos e muito sérios que contrariam e comprometem as perspectivas de retoma do crescimento económico pela qual o mundo espera para ultrapassar a crise em que mergulhou e fazem definhar as ilusões dos que ainda sonham poder voltar a viver a vida de excessos em que se perderam.
Cristine Lagarde, a Presidente do FMI, diz que “a economia mundial começa a dar sinais de estabilização, mas não está estabilizada”, acrescentando que “a economia mundial esteve à beira do colapso do qual dá agora mostras de se querer afastar”. Uma análise que dá conta da gravidade do momento, das incertezas que o futuro trás e das dificuldades que o mundo das finanças encontra para se recompor. Nunca uma crise foi tão severa, tão ampla e tão persistente. Alguma coisa está, pois, diferente e não aceita, para as dificuldades financeiras, as soluções do costume!
A outras dificuldades procurará responder a Ciência com novas descobertas e com o aprontamento de tecnologias como as que poderão levar à produção de carne em laboratório, à produção de energia eléctrica a partir de dejetos, à exploração de hidratos de metano para substituir o cada vez mais escasso petróleo e sei lá a mais quantas que nunca substituirão os ciclos naturais nem convencerão o Homem a reintegrar-se na Natureza como a harmonia e o equilíbrio requerem.
A Ciência continua a dar passos largos no entendimento deste nosso mundo mas, enquanto se esforça por esclarecer como o Universo se formou e investiga pormenores cada vez mais delicados da vida que conhecemos, descura a investigação do futuro, deixando que alguns cientistas isoladamente o façam e lancem alertas que os fazem os “meninos feios” que querem estragar a festa para a qual outros, os “meninos bonitos”, tanto têm contribuído. Estes ignoraram as limitações e os perigos do aproveitamento impróprio dos avanços científicos que uns desencaminham para a satisfação de objetivos não sociais e a outros encorajam a prosseguir no consumismo desenfreado porque os consideram sempre capazes de resolver todos os problemas que dele possam resultar.
Mas todos nos apercebemos já da má conta que dão de si os fautores destas trapalhadas que nos enredam. Poucos, se alguns, se entendem na explicação do que está a acontecer e, menos ainda, nas receitas para que a “economia” de novo funcione. Como melhor, conseguem uma “recuperação” de avanços e recuos que coloca toda a economia mundial numa situação de expectativa desconfiada. Apenas uma coisa vai ficando mais clara a cada dia que passa, a certeza de que gastámos muito mais do que deveríamos, apesar de a maioria da cada vez mais numerosa população humana continuar sujeita a privações que a obrigam a sacrifícios desumanos, a viver uma vida excessivamente dolorosa, a adoecer e a morrer sem alimentos e sem cuidados de que os privilegiados podem dispor.
Cada vez se torna mais clara a necessidade de uma mudança que será profunda e dificilmente acontecerá sem convulsões, tantas mais quanto maiores forem o comodismo, o egoísmo ou a insensatez com que se lhe tente resistir. Pretenderão uns poucos continuar a ser senhores do que cada vez menos a Natureza pode dar e muitos, cada vez mais, os que um dia passarão da resignação ao sofrimento para a exigência do acesso aos bens naturais que também são seus.
Contudo, acredito na capacidade do Homem para reconhecer o perigo que corre e, a tempo, se adaptar às condições que a realidade lhe impõe, voltando à terra, ao trabalho e à solidariedade, restaurando valores e sentimentos que na voragem da ambição se perderam e redescobrindo o prazer da satisfação de necessidades não materiais que ao longo de muito tempo descuidou.
***
Era eu ainda menino quando, pela primeira vez, ouvi falar do fim do mundo! Depois disso, quantas vezes li e ouvi sobre desgraças que associam certas datas ou factos a misteriosas “profecias” que alguém deixou escritas? Tantas que nem sei.
De medo em medo de tantas tragédias anunciadas, chegou o mundo ao “terror” da passagem para o milénio em que, alguns diziam, a vida não iria continuar. Mas continua e, com ela, a luta pela felicidade, a esperança num futuro melhor. Porque nem só de pão vive o Homem!

Rui de Carvalho
30 Março 2012




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