(publicado no Notícias de Manteigas de Junho 2012)
Quando, em 1992, aconteceu, no Rio de Janeiro, uma
“cimeira” que, pela sua importância, ficou conhecida por Cimeira da Terra, a
preocupação era a sustentabilidade do “desenvolvimento” e, por isso, tinha como
objectivo compatibilizá-lo com a conservação e a protecção dos ecossistemas do
nosso planeta, nos quais os danos causados pelo crescimento económico eram já
motivo de grande apreensão. De facto, para alguns mais informados e atentos, a
redução da biodiversidade, o avanço da desertificação e as mudanças climáticas constituíam
problemas a reclamar muita atenção e, até, a tomada de medidas profundas e
imediatas.
Segundo a filosofia de então, o “desenvolvimento
sustentável” seria alcançado refreando o “consumo”, de modo a evitar o excesso
de resíduos, reduzir a poluição e a contaminação do meio natural, controlar a
produção de gases com efeito de estufa e destruidores da camada do ozono, entre
outras atitudes consideradas indispensáveis e urgentes. Todas elas, medidas baseadas
em conceitos quantitativos.
A Carta da
Terra foi o documento final no qual se afirma que “a paz, o desenvolvimento e a protecção do meio ambiente são
interdependentes e inseparáveis”, do que deve deduzir-se que foi
reconhecido que à política económica não devem ser indiferentes os efeitos
ambientais que produza.
Foi assinado um acordo, a Convenção da Biodiversidade que, para além de efeitos protectores,
teve em vista uma divisão equitativa dos benefícios dos recursos genéticos da
Terra. Igualmente, foi produzido um Tratado
sobre Mudanças Climáticas que o Protocolo de Kyoto, mais tarde,
regulamentou mas nem todos assinaram. Os maiores poluidores, como os Estados
Unidos, ficaram de fora e o Canadá, país que o “aquecimento global”
temporariamente beneficiará, resolveu desvincular-se dele recentemente, como o
declarou o seu Primeiro Ministro.
Cinco anos depois, também no Rio de Janeiro, foi
realizada uma conferência da qual resultou um documento com diversas decisões,
cujo espírito de “solidariedade” se manifesta numa introdução vinculatória na
qual se afirma “De forma solidária entre
todos e com a comunidade da Vida, nós, os povos do mundo, comprometemo-nos à
acção orientada pelos seguintes princípios inter-relacionados…”.
Diversos encontros, protocolos e acordos se seguiram,
mas não conseguiram evitar que, vinte anos depois, o Fundo Mundial da Natureza
(WWF) afirme que “vivemos como se tivéssemos um planeta extra à nossa
disposição” porque a biodiversidade se reduziu de quase um terço nas últimas
décadas, em consequência do aumento do consumo, do correspondente acréscimo da
exploração dos recursos naturais e, obviamente, da degradação ambiental que
produz.
A propósito do relatório “Planeta Vivo 2012”, há muito
pouco tempo publicado, Jim Leape, director-geral da WWF afirma que “utilizamos
50% mais recursos do que aqueles que a Terra pode produzir de forma
sustentável…”, o que é muito grave quando as “necessidades” aumentam com a
população mundial da qual apenas um terço consome a maior parte, cerca de
metade sofre privações sérias e centenas de milhões sofrem e morrem de fome! Jonathan
Baillie, da Sociedade Zoológica de Londres, afirma que “ignorar este relatório
trará graves consequências para a Humanidade” pois, sendo a biodiversidade um
indicador iniludível da “saúde” do Planeta, poderemos concluir que a situação
não melhorou nos últimos vinte anos, apesar do reconhecimento oficial da
urgente necessidade de impedir a sua continuada degradação.
Os líderes políticos mundiais voltam agora a dispor
de uma oportunidade na “cimeira “Rio+20”, na qual poderão decidir enfrentar os
gravíssimos problemas apontados no relatório “Planeta Vivo 2012” ou, numa
atitude de egoísmo suicida, ignorá-los e continuar a iludir as soluções que a
situação cada vez mais reclama, tal como até aqui têm feito.
Nesta nova Cimeira do Rio que deverá estar a decorrer
quando este texto for publicado, especialistas têm a intenção de substituir o
PIB que actualmente mede o crescimento económico dos países, por uma unidade de
bem-estar que integre a protecção do Ambiente e dos Recursos Naturais e, deste
modo, seja um indicador do “desenvolvimento sustentado” que, mais uma vez, é a
preocupação declarada. Será um conceito próximo do de “qualidade de vida” de
que o “nível de vida”, traduzido no PIB que conflitua com outros factores que
se integram nas “condições de ambiente” e nas “condições de vida”, nunca poderá
ser a variável independente ou o fator determinante. Por isso há um equilíbrio
que se impõe encontrar com renúncias a fazer e valores a recuperar.
Porém, soa a estranha esta preocupação num mundo
enredado numa crise para a qual apenas o “crescimento económico” é,
generalizadamente, apontado e discutido como única solução, o que,
naturalmente, faz temer que, de novo, os responsáveis se fiquem pelos
propósitos que, em outras ocasiões, já definiram mas nunca praticaram.
O conceito de qualidade de vida é-me particularmente
grato, quem sabe pelas minhas origens numa Terra que dela faz uma bandeira, com
água, ar e solo que possuem uma qualidade já difícil de encontrar por esse
mundo fora e por isso deve pautar os seus propósitos de desenvolvimento, tal
como deverá ser a sua garantia de um futuro melhor! É um bem cujo valor
crescerá pela raridade e é uma oportunidade num mundo que, forçosamente, terá
de mudar.
Lembro-me de já aqui ter abordado estas questões por
diversas vezes. Mas não acho excessivo aproveitar esta oportunidade que a
iniciativa Rio+20 me dá para, de novo, chamar a atenção para problemas que cada
vez sentimos mais como, por exemplo, este clima que se tornou demasiado
irregular e no qual já dificilmente distinguimos as famosas Quatro Estações.
Entretanto, divertir-me-ia muito com os disparates que oiço aos “especialistas”
se não fossem os nossos filhos e os nossos netos as vítimas das baboseiras que
dizem e dos erros que insistem em cometer.
Uma coisa me parece certa, a de que não teremos
oportunidade para uma cimeira Rio+40 se, desta vez, não resolvermos inflectir,
rapidamente, as nossas atitudes.
Rui de carvalho, 20 Maio 2012
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