ACORDO ORTOGRÁFICO

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segunda-feira, 19 de março de 2012

DA ABASTANÇA À CRISE, DA CRISE À GREVE GERAL

A vida estava a correr bem. No emprego ganhava-se razoavelmente, havia tempo para umas coisitas por fora e descontados os fins de semana, os feriados, as pontes e as férias, até que nem era mau de todo o que se recebia cartoze vezes por ano!
Pensou o Venâncio que, deste modo, poderia ter o que durante tanto tempo sonhou, até mesmo um fato por medida no melhor alfaiate da cidade! E porque não se o banco até emprestava o dinheiro? Falou com a mulher que lhe disse que talvez fosse melhor não exagerar, fazer um pé-de-meia porque os filhos haveriam de crescer, ir estudar e tirar um curso para terem um bom futuro. Mas o Venâncio estava decidido e foi mesmo ao alfaiate.
Um dia regressou com o fato já pronto. Era do melhor tecido e o corte devia ser impecável tendo em vista o preço que pagara.
Vestiu-o e chamou a mulher para lhe mostrar a preciosidade. Mas ela logo notou uma pequena ruga num ombro o que, numa peça como esta era inaceitável! E vai o Venâncio ao alfaiate para reclamar, porque o fato teria de ficar impecável, pois fora esse o negócio. O “mestre” olhou o fato e o Venâncio e, com um sorriso complacente disse-lhe: meu caro senhor, isto não é defeito algum. Tenho aqui como clientes os maiores intelectuais do país e, se já reparou, nenhum deles tem os ombros bem direitos em consequência da posição de escrever. Se levantar um pouco o ombro esquerdo verá que a ruga desaparece. E desapareceu mesmo.
Ufano, o Venâncio voltou para casa, chamou a mulher e disse-lhe: ainda temos muito para aprender. Repara mulher que o fino é não ter os ombros da mesma altura. Fica-se com um ar de intelectual e o fato não tem rugas.
A mulher arregalou os olhos de admiração, apreciou o fato e verificou que a ruga tinha desaparecido. Oh! Mas outra se tinha formado nas costas. As costas do casaco deixaram de cair bem! Já pouco agradado com a coisa, lá volta o Venâncio ao alfaiate para reclamar da nova ruga, desta vez nas costas. O “mestre” mais uma vez lhe explica que era o efeito de não ter colocado bem o ombro porque, se reparasse bem, os intelectuais também iam adquirindo uma deformação nas costas e que se ele assumisse a posição que era a certa, também essa ruga desapareceria. E desapareceu!
Mais uma vez o Venâncio teve de explicar à mulher estas coisas que ela não sabia mas que eram, afinal, o que distinguia um homem de sucesso de qualquer outro. Vestiu o fato, adquiriu a pose recomendada e… sem ruga!
Mas a mulher notou que, em consequência, se formara uma outra ruga, desta vez por baixo do braço direito… e lá andou o Venâncio entre a casa e o alfaiate tantas vezes que, todo deformado, conseguiu que o fato não tivesse uma só ruga.
Cheio de empáfia, saiu o Venâncio à rua com o seu fato novo e a sua nova pose de homem bem sucedido, mas logo houve quem comentasse: há alfaiates muito bons. Olha aquele tipo todo empenadinho e o fato assenta-lhe como uma luva!
Invejou-lhe a massa que teria para poder ter um fato de um tecido tão bom e poder servir-se de “mestres” que, com certeza, se fariam pagar bem. O que não sabia é que o fato ainda não estava pago, nem o carro, nem a TV, nem o computador do filho, nem aquelas férias no caribe, nem … Ainda devia tudo ao banco que lhe cobrava juros que não permitiam que a dívida decrescesse.
Talvez com esse fato, agora cheio de rugas e bem coçado, vai o Venâncio participar nas manifestações da greve geral de quinta-feira, contra a austeridade que cortou subsídios, os meses extra de pagamento, reduziu o número de feriados, acabou com as tolerâncias de ponto…

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