(Publicado na edição de Março de 2012 do Notícias de Manteigas)
Passamos o tempo a procurar explicações para o que sucede, sobretudo quando o que sucede não é bom, quando a vida se torna mais difícil, quando o dinheiro escasseia e temos de pedir ajudas que outros nos possam e queiram dar. Nunca desinteressadamente, já se sabe. É o momento que se vive.
Põe-se a culpa no muito que gastaram o Estado e todos os que viveram acima das suas posses, critica-se o consumismo, denunciam-se as despesas excessivas, os gastos inúteis, os desperdícios, as decisões erradas e, até, a corrupção que as circunstâncias consentem.
O tempo tornou-nos permissivos e quase indiferentes ao que se passa, pouco nos importando que à nossa volta haja quem não tenha onde cair morto ou quem, até há pouco sem vintém, seja agora um milionário. Tudo nos parece natural nesta vida de ganância e do salve-se quem puder.
Consumimos mais do que produzimos e os excessos que satisfazem a ânsia de consumo que suporta a economia são a causa do egoísmo que mata a solidariedade, da degradação ambiental cujas graves consequências já sofremos e da crescente escassez de recursos que, afinal, nunca foram demais.
Para ultrapassar as dificuldades, os economistas são unânimes: é necessário que a economia cresça, que a produtividade aumente, produzir, exportar e consumir mais para dinamizar a economia! Aliás, que sentido faria produzir o que ninguém consumisse? Mas dizem, também, que é preciso poupar, gastar e importar menos para não desequilibrar as contas.
Por outro lado, a penúria obriga a reestruturar o Estado que, ao longo de muitos anos, numa função social mal esclarecida, foi o empregador de muitas dezenas de milhar de pessoas que o mercado de trabalho não absorvia porque tecnologias cada vez mais evoluídas e menos carentes de mão de obra as tornavam dispensáveis. Por isso, a reestruturação inevitável acaba por fazer agora os desempregados que seriam os excedentes normais da economia, sem que, entretanto, fosse entendido o problema e encontrada a solução.
Com todas estas contradições, fico sem saber qual a receita certa para vivermos melhor, sem a dureza da austeridade a que a bancarrota nos obriga e com a dignidade própria dos Seres Humanos que somos.
É neste cenário de confusão global que os “países ricos” entram em recessão e as “economias emergentes” vivem a breve ilusão que eles já viveram, a de uma economia em constante e imparável crescimento.
Conhecidos os resultados de tal leviandade que nos levou da euforia à contenção, do fausto à pobreza, eu pergunto se serão os pobres do Terceiro Mundo ou os arruinados do Mundo Desenvolvido quem vai consumir o excesso de produção que faz crescer os novos gigantes da economia que têm, dentro de si próprios, uma pobreza profunda e numerosa que não podem eliminar e tem sido a sua galinha dos ovos de ouro.
A resposta razoável que encontro é dar razão aos que, desde há muito, apontam os riscos de uma “civilização” consumista, intempestiva, incontrolada, destruidora do meio ambiente e sem hábitos sociais para além das “trocas e baldrocas” dos negócios, da especulação nas bolsas de valores que sobem e descem, dos afazeres sem fim que não deixam tempo para mais nada nem para ninguém, dos confrontos destruidores e das correrias loucas que fazem mortos e estropiados por esses caminhos fora.
Todos reconhecemos estes males sem os quais, porém, parece não sermos capazes de viver e, muito menos, a economia consegue crescer. Por isso, para além de inventar “necessidades”, a economia explora os nossos mais subtis defeitos para que o consumo não abrande. O modo sofisticado como nos seduz com propostas que acabarão por nos perder, faz lembrar o “canto da sereia” que tantos navios arrastou para o fundo do mar.
As consequências deste aliciamento são funestas. Para além dos muitos milhares de empresas que faliram em 2011, mais de onze mil famílias se declararam falidas também, uma atitude inevitável mas cujas consequências não são, ainda, bem conhecidas como forma de regressar a uma vida normal depois do período de carência absoluta que se lhe segue. E não se prevê que este ritmo abrande tão depressa.
Muitos dos efeitos desta crise nunca antes haviam sido sentidos. É a crise em que todas as “bolhas” rebentam numa sequência imparável que não deixa refúgio onde salvaguardar seja o que for.
Para além da procura do que possam ser as causas desta situação sem precedentes, uma abordagem diferente poderá esclarecer-nos sobre a razão de ser destes incómodos que, a intervalos cada vez menores e de modo cada vez mais severo afetam a economia e o bem estar de todos nós.
Imaginemos, então, que todos passávamos a ter os comportamentos certos, aqueles que os educadores nos apontam como os melhores, os estudiosos nos indicam serem necessários para preservar os equilíbrios indispensáveis à vida, as regras da boa convivência nos ditam e o respeito pela vida nos exige. Deste modo, não consumiríamos mais do que o necessário, seríamos contidos nos gastos, solidários nas atitudes e prudentes nas decisões, respeitaríamos a Natureza, não cometeríamos excessos alimentares nem teríamos outras práticas doentias, voltaríamos a usar mais a energia dos nossos músculos, andaríamos mais a pé, pouparíamos os recursos naturais, protegeríamos o ambiente e evitaríamos os danos que os desentendimentos violentos sempre causam.
Mas a economia ressentir-se-ia deste modo de proceder e aconteceria a recessão mais profunda de que há memória. A derrocada deste nosso modo de viver seria abruptamente inevitável, apenas porque havíamos decidido adotar comportamentos sóbrios, solidários e sãos, o modo de estar na vida que a Natureza nos consente sem castigo.
Em tudo isto parece haver semelhança entre a bíblica expulsão do Homem do Paraíso, por ter ido além do que lhe era permitido, e esta azáfama angustiada e incerta em que a Humanidade se enredou, numa ânsia ilimitada de ter cada vez mais e mais mas que, aos poucos, lhe pode dar menos e menos!
Talvez entre o Paraíso e o Homem haja incompatibilidades difíceis de superar ou a tentação de possuir seja mais forte do que o desejo de ser feliz!
Seja como for, não nos pode conduzir à felicidade e nem dar-nos segurança o que se alimenta das nossas fraquezas, assim como não se poderá prever vida longa ao que, arrogantemente, agride o que é mais forte, num confronto desigual em que o mais fraco acabará por ser vencido.
Rui de Carvalho
Lisboa, 9 fevereiro 2012
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