ACORDO ORTOGRÁFICO

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terça-feira, 24 de junho de 2014

OS ESPECIALISTAS E O SABER

Lembro-me muitas vezes daquele velho amigo que há muito já partiu, morrendo em avançada idade e talvez sem saber de que, de quem, para não ir ao médico, ouvi esta explicação: “ se for ao de cínica geral receita-me umas pastilhas ou umas pomadas que talvez não façam nada, se for ao cardiologista arranja-me uma doença de coração, o urologista diz que sofro da bexiga, o dentista encontra cáries nos meus dentes… Por isso, porque não dá para ir a todos, não vou a nenhum e fico a pensar que estou perfeitamente são e, um dia, morrerei do que tiver de morrer, de um mal de que nenhum deles me salvaria!”
Não é modo de proceder que recomende seja a quem for, até porque a medicina evoluiu, mas envolve uma sabedoria sobre a qual vale a pena reflectir.
Encontrava-o no “Clube”, lá na minha Terra, onde era um fiel ouvinte das histórias que contava, das piadas que dizia, dos ensinamentos que a sua longa experiência de vida me transmitia.
Muitos anos já passaram e pasmo com o entendimento que ele já tinha do perigo da especialização excessiva, porventura a maior causa da ignorância pretensiosa dos “cagadores de sentenças” que só encontram mérito no que eles próprios digam, fazendo críticas aos que tentam fazer o que eles nunca fizeram nem se dispõem a fazer. Pudera! Outros os criticariam então.
Agora que me deixei das “especialidades” que tinha, as quais, apesar de tudo, nunca me taparam a visão da realidade mais vasta a que pertenciam, tornei-me num simples observador atento da realidade global, do que me rodeia. Leio, oiço e vejo e, como concluíria a poetisa Sophia de Mello Breyner, não posso ignorar.
Por isso não gosto de tanta coisa que vejo neste mundo de especialistas que ignoram as realidades maiores que estão para além do curto saber que crêem dominar.
A eles está entregue o governo das sociedades humanas num mundo que não entendem e, por isso, as não conseguem proteger dos males que, naturalmente, possam acontecer e, menos ainda, dos males que eles próprios causam em consequência das ambições que, apesar dos perigos, não conseguem refrear.
Como gostaria de poder ver, ainda, o mundo mudar, assim a modos como mudou, também, em tempos que Camões cantou deste jeito quando, destemidos, fomos “’inda além da Taprobana…”:

Cessem do sábio grego e do troiano
As navegações grandes que fizeram,
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram,
Que eu canto o peito ilustre lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que outro poder mais alto se levanta!

Ficaria claro que a vida é mais além da politiquice das ambições e que o Poder que é poder, porque é sábio, um dia imporá as suas leis que não são as dos “especialistas”.


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