Lembro-me muitas vezes daquele
velho amigo que há muito já partiu, morrendo em avançada idade e talvez sem
saber de que, de quem, para não ir ao médico, ouvi esta explicação: “ se for ao
de cínica geral receita-me umas pastilhas ou umas pomadas que talvez não façam
nada, se for ao cardiologista arranja-me uma doença de coração, o urologista
diz que sofro da bexiga, o dentista encontra cáries nos meus dentes… Por isso, porque
não dá para ir a todos, não vou a nenhum e fico a pensar que estou
perfeitamente são e, um dia, morrerei do que tiver de morrer, de um mal de que
nenhum deles me salvaria!”
Não é modo de proceder que
recomende seja a quem for, até porque a medicina evoluiu, mas envolve uma
sabedoria sobre a qual vale a pena reflectir.
Encontrava-o no “Clube”, lá na
minha Terra, onde era um fiel ouvinte das histórias que contava, das piadas que
dizia, dos ensinamentos que a sua longa experiência de vida me transmitia.
Muitos anos já passaram e pasmo
com o entendimento que ele já tinha do perigo da especialização excessiva,
porventura a maior causa da ignorância pretensiosa dos “cagadores de sentenças”
que só encontram mérito no que eles próprios digam, fazendo críticas aos que
tentam fazer o que eles nunca fizeram nem se dispõem a fazer. Pudera! Outros os
criticariam então.
Agora que me deixei das “especialidades”
que tinha, as quais, apesar de tudo, nunca me taparam a visão da realidade mais
vasta a que pertenciam, tornei-me num simples observador atento da realidade
global, do que me rodeia. Leio, oiço e vejo e, como concluíria a poetisa Sophia
de Mello Breyner, não posso ignorar.
Por isso não gosto de tanta coisa
que vejo neste mundo de especialistas que ignoram as realidades maiores que
estão para além do curto saber que crêem dominar.
A eles está entregue o governo
das sociedades humanas num mundo que não entendem e, por isso, as não conseguem
proteger dos males que, naturalmente, possam acontecer e, menos ainda, dos males
que eles próprios causam em consequência das ambições que, apesar dos perigos,
não conseguem refrear.
Como gostaria de poder ver,
ainda, o mundo mudar, assim a modos como mudou, também, em tempos que Camões
cantou deste jeito quando, destemidos, fomos “’inda além da Taprobana…”:
Cessem do sábio grego e do troiano
As navegações grandes que fizeram,
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram,
Que eu canto o peito ilustre lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que outro poder mais alto se levanta!
Ficaria claro que a vida é mais além
da politiquice das ambições e que o Poder que é poder, porque é sábio, um dia imporá
as suas leis que não são as dos “especialistas”.
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