Parece-me a mim, cidadão comum
que sou, que à lógica própria da inteligência que nos permite fazer
juízos das coisas, não deveria ser contrária uma outra lógica, a dos
especialistas do Direito que, pelas leis complexas de que necessitam para o ser,
tomam, em nome do povo, decisões que este nem sempre entende muito bem ou nem
sequer entende.
Sempre tive a noção de ser o
Direito uma “ciência” que tanto mais se afasta da sua razão de ser quanto mais complexa
as suas leis a fizerem pois, deste modo, para aqueles a quem se aplica se torna
pouco clara ou, mesmo, obscura.
É o contrário daquela Ciência a
que me habituei e no desenvolvimento da qual qualquer um pode participar desde
que atento ao mundo à sua volta que se rege pelas leis da Natureza da qual
somos parte e são, por isso, as leis imutáveis do mundo em que vivemos e que,
por mais que o queiramos, não podemos alterar. É com muito esforço que as vamos
descobrindo e com muita humildade que admitimos corrigi-las perante uma
realidade que se nos não revela de uma vez só. É o nosso esforço de
investigação que a vai revelando.
O Direito é outro mundo que a
Natureza não domina, é a “ciência” convencional que cada “civilização” cria ao
seu jeito na pretensão de julgar o que resulta de uma lei mais forte e que é
igual para todas. Daí as enormes confusões que gera, os problemas que cria e as
injustiças que pratica.
Não tem, por isso, a harmonia de
um grande e sábio plano que se desenvolve imperturbável, mesmo quando os
pigmeus que somos, no curtíssimo lapso de tempo em que por aqui andam, têm a pretensão
de poder controlar.
Já me escandalizei com várias decisões
jurídicas que me pareceram não fazer sentido e, sobretudo, não fazer justiça.
Decisões que afectam este ou aquele que teve a pouca sorte de a elas ficar
sujeito. Preocupam-me estes casos, naturalmente, porque posso ser eu, um dia, a
vítima de uma Justiça que não consiga ser justa. Mas preocupa-me, agora, muito
mais outra “justiça” que está na moda e começa a por a nu aspectos que deveriam
levar-nos a questionar os limites do Direito.
Obviamente, estou a pensar no
Tribunal Constitucional que me não parece que cumpra a missão que bem lhe
assentaria de compatibilizar uma Constituição antiga com a realidade actual que
os seus autores desconheciam. E se a Constituição que temos resultou do que
dela decidiu fazer uma maioria quantitativa, já a realidade apenas muito pouco
depende de nós porque a imparável viagem do tempo tudo altera e faz passar as
eras em que esta, a desta Humanidade, não passa de um curto episódio. Com ela
desaparecerão as suas leis e continuarão as da Natureza que, tantas vezes,
desprezam.
Não faz sentido, penso eu, que
nos deixemos enganar pela comodidade de pensar que sempre foi assim e assim
será, porque nem sempre foi assim e assim deixará de ser com toda a certeza,
talvez mais cedo do que pensamos se para isso insistirmos em contribuir.
Não me sinto confortável quando
noto ter sido o artigo da Constituição que adiante transcrevo aquele que
impediu a intenção do Governo de reparar as diferenças notórias de tratamento e
de privilégios entre um sector com grande capacidade reivindicativa, o público,
e outro onde apenas o sucesso do trabalho pode dar quaisquer garantias, o
privado.
Artigo 13º da Constituição
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante
a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de
qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo,
raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou
ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação
sexual."
Mais me parece este artigo justificar
as intenções do Governo do que a decisão do TC porque as dificuldades do país
deverão ser ultrapassadas com o esforço de todos e não mantendo os privilégios
de alguns, princípio que o último acórdão do TC me não parece respeitar.
Aliás, são díspares as opiniões
dos “constitucionalistas do costume” que, por diversas razões, não são
igualmente merecedores da minha consideração. Porque alguns me parecem
excessivamente defensores do obscurantismo com que alguns juristas se defendem
do bom senso dos “pagãos” que não acreditam que, necessariamente, o Direito seja
justiça.
À opinião de Vital Moreira que já
incluí nas minhas reflexões e que, como beneficiário da decisão, se diz “grato”
por ela mas dela discordante, junto agora esta de Paulo Mota Pinto, ex-juiz do
TC, que diz assim:
“As sucessivas decisões de inconstitucionalidade levantam problemas de
governabilidade, sobretudo porque não são dadas directrizes ao legislador e
porque não tomam em conta, como deviam na interpretação do parâmetro constitucional,
as obrigações do Estado português sobre os limites orçamentais e regulamentos
sobre a gestão financeira pública [de acordo com a legislação comunitária
conhecida por SIX Pack]. Se há obrigações internacionais que impõe ao limite ao
défice e à evolução da despesa, o Tribunal Constitucional, ou as toma em conta,
ou diz que não o pode fazer por não serem conformes à constituição. O que não
pode fazer é ignorá-las.”
Por isso é grave que tanta gente, em vez de pensar, acredite no que parece que lhe convém, sem querer ver uma realidade dura que,
inevitavelmente, terá de enfrentar sem que a Constituição a possa defender.
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