É o lamento patético de quem, em pouco mais de cinco anos, quase duplicou a dívida pública portuguesa até ao valor do que o país produz num ano inteiro, fez parcerias e realizou obras ruinosas para as finanças públicas ao ponto de minguar demais os meios disponíveis para as boas causas, urdiu intricadas confusões em que a política portuguesa se enredou, não teve noção do perigo para o qual os seus desvairos arrastavam Portugal e, mesmo assim, se sente injustiçado por lhe não terem consentido, de novo, limpar o mal que fez com mais suor de quem trabalha e maior sofrimento dos pensionistas e dos cada vez mais desempregados!
Estes são os “créditos” de quem conseguiu um excedente orçamental no primeiro trimestre de 2011 apenas pelo aumento de impostos, apesar do acréscimo das despesas correntes do Estado!
Os disparates estão feitos e as consequências terão de ser sofridas, mas consentir que prossiga uma governação que, de PEC em PEC, não conduziu por outro rumo senão o do endividamento sucessivo seria aceitar, passivamente, a ruína; permitir que se mantenham as desconfianças que a maioria dos portugueses têm de Sócrates e dos seus “amigos”, será consentir que a Justiça, indispensável à harmonia e evolução social, se continue a arrastar na lama das “ruas da amargura”; deixar que um país sem grandes recursos materiais continue a fazer vida de rico e a apostar em projectos excessivos é contribuir para uma dívida monstra que nem os mais insuportáveis sacrifícios poderão pagar!
Por isso, desta vez, a técnica da mistificação que procurará passar para outros ombros o peso das culpas que só ao governo de Sócrates pertencem, não poderá ser bem sucedida, porque já foi longe demais!
Ouvimos e ouviremos dizer que o PEC4 era necessário porque medidas ainda mais duras resultarão do pedido de ajuda que foi feito à “amiga” União Europeia e ao FMI; dizem e continuarão a dizer que a crise política que a não aprovação do PEC4 provocou é a causa de todas as desgraças que vivemos e por muito tempo ainda viveremos; proclamam e proclamarão a culpa de quem travou o “êxito” da governação socialista, apontando “factos” que, para o serem, carecem de provas que não há nem explicam porque, em 2012, Portugal será o único país do mundo em recessão.
Enfim, muito mais se diz e dirá, na tentativa de confundir quem terá de escolher os seus novos representantes democráticos porque, para além de acusações e de mentiras bem urdidas, pouco terão para dizer.
Estamos habituados a artimanhas nas quais a mentira e o engano se tornaram procedimentos comuns, mas não pode continuar a ser um pressuposto aceitável que em política se tolerem atitudes que socialmente se reprovam. A governação precisa de outro nível para ser respeitada e terá de comportar-se como exemplo de um país que precisa de todo o seu orgulho, de toda a força e dignidade para se reerguer. O confronto político terá de perder o jeito reguila e “malhador” que alguns personagens lhe conferem e voltar a ter a dignidade e a verdade própria dos que representam um povo que merece ser respeitado.
Não acredito em projectos para fazer voltar o país aos tempos do despesismo descuidado, do incentivo ao consumo do supérfluo que faz a “má economia” crescer e nem é isso que desejo de quem venha a governar Portugal. Apenas espero o bom senso e a contenção própria de quem bem lhe conheça as limitações e as potencialidades para escolher o rumo certo que até agora lhe não foi dado, sob pena de ainda mais graves consequências.
Para quem esteve atento e apesar dos protestos veementes de capacidade que Sócrates e o seu governo sempre clamaram, a verdade é que o “fim da linha” estava já diante dos nossos olhos e há muito tempo se deveria ter corrigido o percurso, pois nenhum PEC, o 4 e todos os que se lhe seguissem, o evitaria. Até a banca portuguesa, incluindo o banco do Estado, não poderia continuar a co-financiar uma dívida pública injustificadamente crescente que, deste modo, ficou à inteira mercê dos mercados gananciosos que sugam as suas presas até ao tutano.
Na defesa teimosa e ilusória de uma situação insustentável, o governo estava a arruinar o que de mais estável ainda existia nas finanças portuguesas, uma banca que não se havia deixado intoxicar excessivamente pelas loucuras que fizeram a crise financeira internacional. Será uma banca da qual as preconceituosas agências de notação financeira dão referências muito abaixo das excelentes que atribuíram ao gigantesco banco Lehman Brothers na véspera de falir e lançar o mundo na confusão em que se encontra, mas é a banca que temos e pode evitar que à falência de um Estado se junte a falência de um país.
Com ou sem PEC4, o pedido de ajuda externa há muito era inevitável, há muito que deveria ter sido feito, sendo patética a atitude de “fidalgo arruinado” que o governo adopta e injustificável a imagem de “vítimas” com que pretende que sejam olhados os incapazes que tomaram tantas decisões de consequências desastrosas.
Não é intenção destes meus desabafos influenciar seja quem for nas suas intenções de voto mas, tão só, pedir a todos a atitude responsável de uma decisão justa e fundamentada na escolha que, dentro de alguns dias, seremos chamados a fazer. A situação é extremamente grave. Não contribuir, conscientemente, para a sua resolução será pecado que a História não perdoará.
Não está em causa se Portugal foi ou não vítima da ganância dos “mercados” mas sim o facto de, por uma política de “novo-riquismo” leviano, caviloso e gastador ter dado lugar às condições propícias para tal. Por isso, todos deveremos exigir dos políticos a atitude que não têm tido no modo como cuidam do bem comum e o fim das palavras ocas e das promessas esquecidas depois de conquistados os votos; há que fazer-lhes sentir recriminação pela forma como deixam que interesses particulares sejam privilegiados em prejuízo dos de todos nós e dizer-lhes, também, que basta de afrontar a pobreza com situações de lautos privilégios que a classe política e dirigente deste país a si própria atribui. Num país pobre, onde não há condições para desperdícios, a justiça social é particularmente importante. Por isso deve exigir-se.
Porque sou parte conscientemente interessada no futuro deste nosso Portugal, não me coíbo de dizer o que penso nem de insistir no pedido para que todos se decidam na boa consciência que apenas a reflexão e o bom senso podem gerar, sem pressupostos de partidarismo cego, para depois não termos de dizer, à semelhança de uma cantiga muito em voga: que país tão parvo, onde para ser escravo é preciso votar.
Rui de Carvalho
Lisboa, 18 Abril 2011
(publicado no Notícias de Manteigas de Maio)
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