Nasci
bem longe daqui. Bem no meio da maior serra de Portugal.
Mas
um dia, como diz uma inspirada cantiga, daquelas que as “revistas” do parque
Mayer imortalizaram, tive de dizer “adeus à Terra, à linda Serra da neve a
brilhar”, para poder continuar a minha formação.
Fui
para a Guarda primeiro e, mais tarde, vim para Lisboa onde concluí o nível
secundário no Liceu Camões. Tinha eu, então, 17 anos e o calendário dizia que haviam
já passado 1951 anos desde que Cristo andou pela Terra.
Por
esse tempo, Lisboa teria uma extensão que seria menos de metade da que tem
agora. O Bairro Social de Alvalade e o Hospital Júlio de Matos ficavam,
isolados, lá no fundo de uma avenida, a de Roma, afastados por uma extensa zona
ainda sem construções.
Por
estas bandas, entre a Alameda D. Afonso Henriques e a Praça de Londres, passava
a maior parte do meu tempo, nas aulas, a estudar, a conviver com amigos. Distantes
ficavam Odivelas, Prior Velho, Sacavém e outros muitos lugares agora integrados
na continuidade urbana que é a Grande Lisboa. Eram os “fora-de-portas” rodeados
por extensas hortas, os míticos lugares onde a fidalguia ia “ouvir o fado e cantar”.
Vi
tudo isso transformar-se na confusão que hoje é. Desapareceram as hortas, as
quintas e os pinhais e hoje mal consigo orientar-me em zonas por onde andei tantas
vezes.
Mas
quando nasci, em 1934, Lisboa era muito mais pequena, ainda. O sítio hoje denominado Marquês era um
descampado onde alguém, um dia, resolveu erguer um pedestal, bem alto, de onde
o ilustre restaurador da cidade que um violento terramoto devastou pudesse,
para sempre, contemplar a sua obra.
E
foram fotografias que hoje vi publicadas na internet que me trouxeram à memória
tudo isto que aqui contei, pela curiosidade de aquele monumento ter,
precisamente, a minha idade e me recordar que existe, nesta cidade, uma avenida
que tem por nome o dia em que nasci. A Avenida 24 de Julho.
Entretanto
vi construir e destruir obras enormes, cinemas, teatros, estádios, desapareceram
os eléctricos onde fiz a primeira viagem por vinte centavos, apareceu o metroplitano onde viajei a primeira vez por três escudos e muitas verdadeiras
obras de arte que ladeavam a Avenida da República cederam o seu lugar a
edifícios enormes sem expressão arquitectónica que as faça esquecer.
O
Liceu onde andei, aquele que ostenta, na sua fachada, o nome do maior poeta de
língua portuguesa, foi-se degradando, arruinou-se ao ponto de apenas obras
muito urgentes poderem evitar o seu fim.
Mas
o Marquês já nada pode fazer…
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