ACORDO ORTOGRÁFICO

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domingo, 29 de janeiro de 2017

EU E SOARES



Parece-me que, depois do tempo que já passou após a sua morte, demonstrado o respeito que deve ter-se por aqueles que se foram e, seja Soares agora o nada em que esperava tornar-se, esteja num outro mundo qualquer que nem sei como seja, em circunstâncias em que as nossas almas continuem a viver, eu seria um hipócrita se, simplesmente, alinhasse no coro de elogios a um homem cheio de virtudes que ele não foi e não dissesse nada do que penso sobre a personagem.
Seja como for, que Deus o tenha consigo.
Foi como foi e teve o mérito de pertencer aos que recuperaram uma liberdade que, pesem todos os inconvenientes que até possa ter, eu aprecio e uso para dizer o que penso.
Quanto ao socialismo que dizia praticar, depois do comunismo que, também, defendeu, não lhe reconheci qualidades morais que dele fizessem um homem excepcional, digno, sequer, de servir de exemplo.
Não precisa um socialista ser como Madre Tereza de Calcutá ou como outros seres de grande estatura moral para ser um bom cidadão, um socialista daqueles que querem erradicar a pobreza e a exclusão a que meio mundo está sujeito para o tornar melhor. Preferiu não querer saber dos que deixou para trás, nem das guerras em que, depois, os locais se veriam envolvidos. Já não seria problema seu, apesar das inúmeras mortes que estas guerras fizeram.
Como pouco lhe interessou o regime corrupto que se instalaria.
Mas ser milionário entre tanta desgraça, continuar a receber de quem pouco tem, aquilo com que vive em abastança, isso é que não é, de todo, socialismo.
Fui eu com a minha já numerosa família para Moçambique para evitar ser chamado para o serviço militar pela terceira vez e para uma guerra que não achava ser o caminho para a convivência e para o desenvolvimento que juntos poderíamos alcançar e lá vivi quase cinco anos trabalhando sério na investigação, no ensino superior e defendendo a liberdade, para fazer daquela terra a terra que poderia ser, convencido de que jamais me veria na situação de ignorado pelos paladinos da “liberdade” que me pareceram sempre mais preocupados com o seu lugar aqui do que com os portugueses espalhados por lá e por esse mundo fora que, simplesmente deixaram nas mãos daqueles a quem entregaram o país sem negociar a sua segurança.
Colocar entre os feitos heróicos aquela reunião em que Samora Machel esperava ter de negociar a liberdade mas na qual, simplesmente, se entregou tudo e todos quantos lá estavam, tornou natural ver, sem dó nem piedade, mandar colocar à porta da residência oficial as malas de homem às portas da morte e que fora primeiro ministro, para que alguém as viesse buscar!
E este “colonialista” que fui, que alterou a sua vida para não ir pelo caminho errado que Portugal seguia, viu-se sozinho com a família e, como pode, voltou para Portugal com o mesmo carro que levara e deixando lá o pouco que juntara. De mãos a abanar!
O que tenho eu, então, para reconhecer como grande mérito de quem não quis saber de mim, dos problemas que poderia ter com a mulher e quatro crianças que trouxe comigo e lhe não foi permitido trazer mais do 14.500 escudos para refazer a vida, porque preferiu o acto heróico de entregar, sem assegurar a segurança dos seus compatriotas, a terra onde, vivendo do meu trabalho, eu me encontrava e fui expulso?
E tantos oportunistas que eu conheci bem que aproveitaram a “boleia” para se fazer passar por revolucionários ou democratas que que jamais haviam sido…
Ainda me lembro de junto de quem fui até Angola, na viagem que fiz para Moçambique. Como a conversa mudou depois!
Soares foi um grande governante? Não foi e não foi necessário muito tempo para que Portugal estendesse, pela primeira vez, a mão à caridade.

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