Parece-me
que, depois do tempo que já passou após a sua morte, demonstrado o respeito que
deve ter-se por aqueles que se foram e, seja Soares agora o nada em que esperava
tornar-se, esteja num outro mundo qualquer que nem sei como seja, em circunstâncias
em que as nossas almas continuem a viver, eu seria um hipócrita se, simplesmente,
alinhasse no coro de elogios a um homem cheio de virtudes que ele não foi e não
dissesse nada do que penso sobre a personagem.
Seja
como for, que Deus o tenha consigo.
Foi
como foi e teve o mérito de pertencer aos que recuperaram uma liberdade que,
pesem todos os inconvenientes que até possa ter, eu aprecio e uso para dizer o
que penso.
Quanto
ao socialismo que dizia praticar, depois do comunismo que, também, defendeu, não
lhe reconheci qualidades morais que dele fizessem um homem excepcional, digno, sequer,
de servir de exemplo.
Não
precisa um socialista ser como Madre Tereza de Calcutá ou como outros seres de
grande estatura moral para ser um bom cidadão, um socialista daqueles que querem erradicar a pobreza e a exclusão a que meio mundo está sujeito para o tornar
melhor. Preferiu não querer saber dos que deixou para trás, nem das guerras em
que, depois, os locais se veriam envolvidos. Já não seria problema seu, apesar das inúmeras mortes que estas guerras fizeram.
Como pouco lhe interessou o regime corrupto que se instalaria.
Como pouco lhe interessou o regime corrupto que se instalaria.
Mas
ser milionário entre tanta desgraça, continuar a receber de quem pouco tem,
aquilo com que vive em abastança, isso é que não é, de todo, socialismo.
Fui
eu com a minha já numerosa família para Moçambique para evitar ser chamado para
o serviço militar pela terceira vez e para uma guerra que não achava ser o
caminho para a convivência e para o desenvolvimento que juntos poderíamos
alcançar e lá vivi quase cinco anos trabalhando sério na investigação, no
ensino superior e defendendo a liberdade, para fazer daquela terra a terra que
poderia ser, convencido de que jamais me veria na situação de ignorado pelos paladinos
da “liberdade” que me pareceram sempre mais preocupados com o seu lugar aqui do
que com os portugueses espalhados por lá e por esse mundo fora que,
simplesmente deixaram nas mãos daqueles a quem entregaram o país sem negociar a
sua segurança.
Colocar
entre os feitos heróicos aquela reunião em que Samora Machel esperava ter de negociar
a liberdade mas na qual, simplesmente, se entregou tudo e todos quantos lá
estavam, tornou natural ver, sem dó nem piedade, mandar colocar à porta da
residência oficial as malas de homem às portas da morte e que fora primeiro
ministro, para que alguém as viesse buscar!
E
este “colonialista” que fui, que alterou a sua vida para não ir pelo caminho
errado que Portugal seguia, viu-se sozinho com a família e, como pode, voltou
para Portugal com o mesmo carro que levara e deixando lá o pouco que juntara.
De mãos a abanar!
O
que tenho eu, então, para reconhecer como grande mérito de quem não quis saber
de mim, dos problemas que poderia ter com a mulher e quatro crianças que trouxe
comigo e lhe não foi permitido trazer mais do 14.500 escudos para refazer a
vida, porque preferiu o acto heróico de entregar, sem assegurar a segurança dos
seus compatriotas, a terra onde, vivendo do meu trabalho, eu me encontrava e
fui expulso?
E
tantos oportunistas que eu conheci bem que aproveitaram a “boleia” para se
fazer passar por revolucionários ou democratas que que jamais haviam sido…
Ainda
me lembro de junto de quem fui até Angola, na viagem que fiz para Moçambique.
Como a conversa mudou depois!
Soares
foi um grande governante? Não foi e não foi necessário muito tempo para que
Portugal estendesse, pela primeira vez, a mão à caridade.
Sem comentários:
Enviar um comentário