Quando, em 1952, vim para Lisboa
para continuar a estudar, foi numa rua tranquila que me instalei. A rua Sabino
de Sousa que hoje reencontrei engalanada porque, uma vez mais, foi a marcha
deste Bairro, o Alto do Pina, a que ganhou o concurso das marchas de Sto
António. Logo me veio à lembrança o Ginásio do Alto do Pina do qual cheguei as
ser sócio e que, naqueles tempos, organizava as marchas. Se ainda as organiza,
não sei.
Há muito que por ali não passava.
Mas hoje, depois de uma eternidade de boca aberta no dentista que não fica
muito longe dali, senti saudades e resolvi visitar o meu Bairro de outrora. Tanto
ainda igual, entre as diferenças que encontrei, fizeram-me recordar pessoas, momentos
e outras coisas que ficaram bem marcados na minha memória e foram importantes
na vida que então vivi. Olhei as caras das raras pessoas que passavam, mas em
nenhuma encontrei as que estão presentes na minha saudade. Nem esperaria encontrar,
depois de tantos anos.
Desapareceu quase todo o comércio local, uma oficina de mecânica que por ali havia. Até a tasca, onde se reuniam os velhos da rua para caturrar enquanto se deliciavam com o seu “copo de três”, desapareceu também. Menos gente na rua, menos vozes, menos algazarra. Desapareceram os cumprimentos e as perguntas íntimas entre gente que se conhecia bem. Um bairro que tinha vida própria não parece agora ser mais do que um dormitório. Consequência deste tempo em que o pequeno não conta e todos nos concentramos no que é grande e impessoal.
Fiquei a olhar para a janela do
quarto que foi o meu, para aquela varanda de onde, tantas vezes, olhei aquela
rua e a vida que nela se vivia, tão diferente de como era nas terras mais
pequenas de onde eu vim.
Em vez das portas de madeira que se fechavam à noite para tapar a luz, a janela têm, agora, estores de correr.
Em vez das portas de madeira que se fechavam à noite para tapar a luz, a janela têm, agora, estores de correr.
Na fachada do prédio, uns
azulejos de mau gosto substituem o reboco pintado de então e, nos vãos, perfis
de alumínio tomaram a vez à madeira de que antes eram feitas as portas e as janelas.
Mas é a mesma placa com o número de polícia a que está por cima daquela porta de
entrada por onde tantas vezes passei.
Vivendo ali, frequentei
o Liceu Camões, onde fiz o 7º ano, então o último do curso secundário. Nunca
utilizei qualquer tipo de transporte, privado ou público nas minhas deslocações
entre a casa e o Liceu, o que me obrigava a fazer, em cada dia de aulas, um
longo percurso que tantas vezes recordo. Percorria a Sabino de Sousa, uma boa
parte da Morais Soares, passava pela Pª do Chile, seguia pela António Pedro até
à Pascoal de Melo que me levava até ao Largo Dª Estefânia e dali, subindo a Rua
Almirante Barroso, chegava, finalmente, à Praça José Fontana. Não sei que
distância corresponde a estes percursos que au fazia quatro vezes diariamente,
mas admito que eu caminhasse cerca de uma dezena e meia de quilómetros.
Fazia-o de boa mente, sem
queixas, porque era meu dever faze-lo, correspondendo ao esforço dos meus pais
para eu estar ali.
Continuei a morar naquela rua
durante os seis anos que durou o curso de engenharia no Instituto Superior
Técnico, o que representou algum alívio nas caminhadas pois, passada a R Barão
de Sabrosa, apenas a Alameda D Afonso Henriques me separava da minha escola,
dentro da qual uma outra grande alameda me conduzia ao Pavilhão Central ou a
outros onde tivesse as aulas.
Havia muito espaço entre eles e
contavam-se pelos dedos de uma mão os caros por ali estacionados, naquele
espaço onde hoje mal se consegue lugar para estacionar uma lambreta.
O frio e a chuva do Inverno e o
calor do Verão foram meus companheiros durante muitas e muitas horas naquelas
caminhadas ao longo de sete anos, para o Camões e para o Técnico, até que
concluí o curso de engenharia que tanto ambicionava.
Bem mais duros haviam sido
aqueles invernos em Manteigas e na Guarda, que me gelavam os dedos ao
ponto de quase nem poder escrever.
Por isso, os invernos em Lisboa pareciam-me
uma delícia.
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