Há muito que por ali não passava.
Mas hoje, depois de uma eternidade de boca aberta no dentista que não fica
muito longe dali, senti saudades e resolvi visitar o meu Bairro de outrora. Tanto
ainda igual, entre as diferenças que encontrei, fizeram-me recordar pessoas, momentos
e outras coisas que ficaram bem marcados na minha memória e foram importantes
na vida que então vivi. Olhei as caras das raras pessoas que passavam, mas em
nenhuma encontrei as que estão presentes na minha saudade. Nem esperaria encontrar,
depois de tantos anos.
Desapareceu quase todo o comércio local, uma oficina de mecânica que por ali havia. Até a tasca, onde se reuniam os velhos da rua para caturrar enquanto se deliciavam com o seu “copo de três”, desapareceu também. Menos gente na rua, menos vozes, menos algazarra. Desapareceram os cumprimentos e as perguntas íntimas entre gente que se conhecia bem. Um bairro que tinha vida própria não parece agora ser mais do que um dormitório. Consequência deste tempo em que o pequeno não conta e todos nos concentramos no que é grande e impessoal.
Fiquei a olhar para a janela do
quarto que foi o meu, para aquela varanda de onde, tantas vezes, olhei aquela
rua e a vida que nela se vivia, tão diferente de como era nas terras mais
pequenas de onde eu vim.
Em vez das portas de madeira que se fechavam à noite para tapar a luz, a janela têm, agora, estores de correr.
Em vez das portas de madeira que se fechavam à noite para tapar a luz, a janela têm, agora, estores de correr.
Na fachada do prédio, uns
azulejos de mau gosto substituem o reboco pintado de então e, nos vãos, perfis
de alumínio tomaram a vez à madeira de que antes eram feitas as portas e as janelas.
Mas é a mesma placa com o número de polícia a que está por cima daquela porta de
entrada por onde tantas vezes passei.
Fazia-o de boa mente, sem
queixas, porque era meu dever faze-lo, correspondendo ao esforço dos meus pais
para eu estar ali.
Continuei a morar naquela rua
durante os seis anos que durou o curso de engenharia no Instituto Superior
Técnico, o que representou algum alívio nas caminhadas pois, passada a R Barão
de Sabrosa, apenas a Alameda D Afonso Henriques me separava da minha escola,
dentro da qual uma outra grande alameda me conduzia ao Pavilhão Central ou a
outros onde tivesse as aulas.
Havia muito espaço entre eles e
contavam-se pelos dedos de uma mão os caros por ali estacionados, naquele
espaço onde hoje mal se consegue lugar para estacionar uma lambreta.
O frio e a chuva do Inverno e o
calor do Verão foram meus companheiros durante muitas e muitas horas naquelas
caminhadas ao longo de sete anos, para o Camões e para o Técnico, até que
concluí o curso de engenharia que tanto ambicionava.
Bem mais duros haviam sido
aqueles invernos em Manteigas e na Guarda, que me gelavam os dedos ao
ponto de quase nem poder escrever.
Por isso, os invernos em Lisboa pareciam-me
uma delícia.
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