Estive a ler um texto de Mário
Soares com o título “Perto do Caos”. Não sou leitor assíduo do que ele escreva,
mas porque também acho que a situação é a que o título sugere, tive curiosidade
de ler.
Mário Soares tem a sua visão
própria das coisas e conserva a memória do passado que limitações próprias da
idade lhe consentem ou que os preconceitos do seu “socialismo” lhe impõem.
Julgava eu que, numa centelha de
iluminação, pudesse o vetusto político dizer algo com jeito. Mas equivoquei-me,
porque o caos à beira do qual nos podemos encontrar é bem outro.
No que escreveu, chamou-me
particularmente a atenção este trecho que aqui reproduzo: “Quanto a Portugal,
apesar das grandes preocupações terem pouco a ver connosco, não estamos a
participar no diálogo europeu, como devíamos. É mau que assim seja. Rajoy,
correligionário de Passos Coelho, tem tido uma posição menos subserviente face
à chanceler, e sabido dar, quando é preciso, um murro na mesa europeia. Não tem
sido o caso dos dirigentes portugueses, demasiado ideológicos (leia-se
neoliberais) e muito pouco pragmáticos. Estão, além disso, desatentos à
evolução europeia. Aliás, o nosso Governo tem estado à deriva, sem rumo certo,
com vários ministérios paralisados. Um só exemplo: dezenas de gestores públicos
não recebem instruções do Governo, desde que tomou posse, há mais de um ano. É
obra! Os portugueses, sem informação, sentem na pele que há cortes sobre
cortes, mas ninguém lhes explica qual é o rumo a seguir. E como iremos sair da
crise. Daí as greves, que se sucedem, e o desespero das pessoas em geral. As
leis são mal feitas, como nunca antes sucedera”.
Não vou analisar detalhadamente o
que ele diz, mas, em primeiro lugar, seria bom que distinguisse entre as
posições de Portugal e de Espanha, sendo a nossa bem mais fraca no contexto
europeu, seja pela diferença de dimensão entre as duas economias e, portanto, o
seu peso relativo na economia global, seja pelas próprias causas da situação
que obriga a pedir auxílio. Portugal não terá grande capacidade para fazer
ouvir a sua voz como Rajoy o pode fazer ou, até, impor os seus os seus pontos
de vista antes de conseguir a estabilidade financeira, bem como realizar as
reformas estruturais que, como tudo mostra, são mais do que necessárias.
Se é fácil tomar algumas atitudes
de natureza financeira de efeito rápido, ainda que muito penalizador, mais
difícil é fazer as reformas que equilibrarão as finanças e permitirão
desapertar um pouco o cinto que ele, como primeiro-ministro, nos fez apertar
também.
E que instruções especiais
esperaria Mário Soares que muitos gestores públicos recebessem sem estarem
concluídos os trabalhos de esclarecimento, realinhamento e limpeza a que a confusa
situação legada por um governo socialista obriga? Seriam instruções para
continuarem a fazer os mesmos disparates? Por certo!
É de hoje a notícia de estar a
ser entregue em Bruxelas o novo plano do QREN para o período 2007-2013 que os
governos de Sócrates deixaram estranhamente comprometido com projectos
irrealizados. Todos sabem que o actual governo deu instruções para o parar, como
é de boa medida fazer quando as coisas não estão bem, só agora havendo
condições para o retomar, lançando na economia portuguesa mais de 3 mil milhões
de euros! Aqui está uma das razões pelas quais muitos gestores entretanto não
puderam fazer o que agora terão de fazer mais rapidamente e com instruções
claras.
Será que, também, terei de
lembrar a Mário Soares os contratos danosos nas PPP e nas rendas pagas a certas
empresas, sobretudo de energia, que nos têm sugado o sangue e se admite terem,
alguns deles, contornos criminosos? Tudo problemas que não são nem fáceis nem
rápidos de resolver.
As leis são mal feitas como nunca
antes acontecera? Quem o afirma? Os “poderes estabelecidos” a quem as reformas
que implicam não interessam? Sim, eles e Mário Soares.
Não deveria um ex-presidente da
República, a quem continuamos a pagar uma fortuna para não fazer nada, ser mais
contido e mais rigoroso naquilo que diz?
Deve SExa pensar que estamos
ainda no tempo dos irrealismos de grandeza com visitas presidenciais faustosas à
volta do mundo, das romarias em elefantes da Índia? Sei lá.
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