(publicado no nº de Outibro do Notícias de Manteigas)
Quando se remexe a terra ela
passa a ocupar um volume maior. Mas nem por isso tem mais matéria e, com o
tempo, volta a assentar e a ficar como era antes.
É o que me faz lembrar tudo o que,
por via desta “crise”, acontece. Esta barafunda enorme em que vivemos, esta
confusão de problemas e de complicações cujas tentativas de entendimento já esgotaram
todas as explicações e, pouco a pouco, vão destruindo teorias e
descredibilizando os que, com base nelas, procuram fazer reviver um modo de
vida que, em boa verdade, já expirou!
Termina, deste modo, o
empolamento de uma economia que a ambição de bancos, de outras instituições
prestamistas e de oportunismos sem medida fez crescer demais. Agora, a economia
não consegue voltar a ter um crescimento seguro, nem com todas as injecções de
dinheiro que lhe façam, porque o dinheiro não consegue fazer o que as
disponibilidades de recursos naturais outrora permitiam. Corrigiam-se os erros e
ultrapassavam-se as crises gastando mais e mais, desperdiçando meios escassos
e, por tantos gastos, chegámos ao fundo da “arca” que agora vemos quase vazia.
É que, ao contrário deste túnel escuro que insistimos em percorrer, a arca tem fundo!
Pelo excesso de consumo,
tornou-se exíguo o que críamos ser inesgotável e a exiguidade tornou evidente a
impossibilidade de gastar mais do que aquilo que podemos ter. Sendo assim, a
solução torna-se clara, mas o problema continua difícil de resolver.
É óbvio que escapam à maioria de
nós as razões de ser assim, uma ignorância que interessa aos que, no final,
serão os mais penalizados pelo acabar de um ciclo de falsa prosperidade que,
deste modo e para que dure um pouco mais, nos alimentam a esperança vã de que
voltarão os dias em que habilidosos artifícios financeiros pareciam aliviar-nos
do trabalho duro a que a condição de seres vivos deste planeta, sem apelo, nos
condena. Tal como os demais, teremos de lutar para viver. E se alguma coisa
aprendi com os economistas é que “não há almoço de graça”. Um princípio que não
estão a ser capazes de aplicar em tempos de novas “verdades” ou deixaram de
querer compreender.
Continuamos, em maioria, a não
conhecer as razões por que tudo isto acontece, as quais, ainda que simples e
óbvias, ficam perdidas na confusão das explicações urdidas pelos que, para além
dos malabarismos financeiros, disfarçam a realidade que, apesar disso, cada vez
mais ostensivamente se nos mostra. Fazem-no porque sabem que alimentam o nosso
próprio egoísmo e, talvez também, na esperança de um milagre que teima em não
surgir. Por isso, num mundo em que, antes, os sucessos de uns compensavam os
desaires de outros, hoje se vai instalando a “crise global” que, tudo o indica,
não irá poupar ninguém.
Arrisquei dizer isto em tanta
coisa que escrevi, dando conta dos meus temores por piores dias que, para mal
de todos nós, já chegaram.
Não existem previsões optimistas
para além das daqueles que, de quando em vez, julgam ver luzinhas que,
infelizmente, não passam de fogos fátuos que a decomposição adiantada deste
tipo de vida que a Natureza não comporta, alimenta.
Depois dos que, levianamente,
delapidaram os nossos mais preciosos recursos à maneira da última bocada do
glutão que, depois, parece ainda querer comer o fundo do tacho, não adianta
criticar os que, sem modo de fugir à realidade que a todos impõe uma dura
penitência, andam, de tentativa em tentativa, á procura da solução que não
existe para repor o crescimento económico impossível mas que outros se
empertigam a dizer que podem restaurar, tal como garantem ser capazes de manter
o Estado Social como era, ainda que saibam que, para subsistir, está condenado
a seguir caminhos de rigor sem os quais se transformará numa inutilidade para
todos.
Já se aceita que não haja como
pagar pensões de reforma no futuro, ainda que os descontos para ela continuem a
ser feitos. Porque não aceitar, em vez disso, que outros benefícios acabem, em
especial as enormidades que se pagam com base em “valores de mercado” que dizem
justifica-los ou em consequência de conquistas que a realidade não permite conservar?
Não adianta tomar partido por um
qualquer dos que agora disputam a oportunidade de arrebanhar as últimas
migalhas em “democráticas” manobras de efeitos imediatistas que tiram a vez ao planeamento
cuidadoso do futuro, porque não será a “democracia do confronto” que permitirá
construir o modo de viver mais feliz que apenas a “democracia da solidariedade”
conseguirá. É esta a mudança de base que se vai tornando urgente, mas que não
sei se as características da natureza humana consentirão. Não gostaria que, um
dia, fosse provado que a Humanidade contém em si a patética capacidade de se
autodestruir, como não gostaria de ver este planeta transformado na “casa onde
não há pão, todos ralham mas ninguém tem razão”.
A solidariedade do futuro, se
dela formos capazes, começará por ser a da sobrevivência, sem lugar para os
oportunismos que a tantos fizeram prosperar enquanto diziam preocupar-se com o
bem-estar dos outros. Será continuada, depois, na aceitação dos princípios da
contenção e do respeito mútuo que nos permitirão viver valorizando o que tivermos.
A corrupção não teria mais de que
se alimentar, os impostos deixariam de ser a arbitrária e oportunista
transferência de meios que obriga que uns trabalhem para outros fazerem o que entendam,
o Serviço de Saúde não se prestaria mais a manobras fraudulentas em que boa
parte dos seus actores se envolveram e nem o Estado seria o refúgio dos que
pretendem um emprego garantido, porque os cargos públicos deixariam de ser
oportunidades de privilégios para serem prestação de serviços à comunidade como,
infelizmente, apenas muito poucos os entendem.
Apenas depois poderíamos voltar a
crescer, não tanto na quantidade dos bens que hoje, sem necessidades que o
justifiquem, o mercado nos impinge, mas na qualidade daquilo que, para viver
melhor, de facto necessitamos.
Mas estou, decerto, a sonhar
porque são tantas as coisas que teriam de mudar, tantos os interesses que teriam
de acabar, tantos os egoísmos que teríamos de vencer que seria preciso muito
tempo para o conseguir, tempo de que a “democracia do egoísmo e do confronto”
não dispõe.
Rui de Carvalho