Ao longo das muitas
dezenas de anos que levo vividas, sempre dei conta de fases de
reajustamento à realidade que uma economia ávida de crescimento não
consegue evitar. São as “crises” cujos intervalos, ao longo do tempo, vi passar
de dez anos a cinco, a três, a um e até ao zero que faz esta “crise” parecer
eterna.
À semelhança do que acontece
com os metais que, submetidos a ciclos de esforço cuja frequência se aumenta,
acabam por romper, também à economia deverá acontecer algo semelhante quando os
intervalos curtos tornam frequentes demais os inevitáveis reajustamentos.
Mais do que isso, vi a
amplitude das “crises” passar de confinadas a um país, a uma região ou a um
continente, atingir a dimensão do mundo inteiro, como nesta que agora sentimos
e faz lembrar um mal que, difícil de conter, se espalha por todo o corpo até
lhe consumir a capacidade de viver.
De resto, porque haveria
de ter a economia um comportamento diferente do que seja próprio da lógica
natural se, até nas coisas mais vulgares, em muitas das quais pouco ou nem
sequer reparamos, podemos encontrar os sinais da “fadiga” que conduz à ruptura?
Na sua “Balada da Neve”,
Augusto Gil refere-se às marcas que, ao passar, os caminhantes deixam na neve que
cai “do azul cinzento do céu”. Sei bem como é muito fria essa neve que tantas
vezes pisei, como enregela os pés e as mãos e torna difíceis os movimentos,
causando a dor maior aos mais desprotegidos.
“Por entre os mais”, prendem
a atenção do poeta da Guarda os “traços” que “uns pezitos de criança” deixam na
neve que se vai acumulando no caminho, “primeiro, bem definidos, depois em
sulcos doridos porque não podia erguê-los”!
É a imagem que esta crise económica
arrastada frequentemente faz revelar-se no meu espírito. Continua a tentar caminhar,
mas as marcas que deixa já são os “sulcos doridos” que prenunciam a sua queda
se não for aconchegada.
Brilhante! Lúcido! Certeiro! Mas os 'mercados' parece que não apreciam 'poetas'!!!
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