Mais do que a austeridade,
começam a ser difíceis de suportar os disparates que por aí se dizem, mas que
uma reflexão descomprometida deveria evitar, pois são a causa de dificuldades
acrescidas no momento difícil que vivemos e de equívocos em decisões das quais
nos poderemos muito vir a arrepender.
É certo que o
Primeiro-Ministro não é, de todo, o “animal político” que melhor contorna os
ataques perversos que a Oposição, naturalmente, lhe dirige. Por vezes parece,
até, demasiadamente ingénuo e determinado quando a “ratice”, por outros tão bem
manobrada, granjeia bem melhores resultados. A frontalidade e a determinação podem
ter evitado, ao seu governo, problemas de percurso que, de outro modo, quase
por certo teriam acontecido com graves prejuízos para todos nós, mas, em
contrapartida, tem-lhe valido as críticas fáceis do “malabarismo palavroso” em
que a nossa democracia se especializou.
No Parlamento, em resposta
a uma pergunta simploriamente ardilosa, a de se iria aumentar mais os impostos,
Passos Coelho afirmou que nada lhe poderia garantir não ter de o fazer pois não
conhecia, ainda, a apreciação constitucional a algumas das suas propostas de
redução de despesa.
Apesar de ser a resposta
lógica que a alternativa cortar despesa ou agravar impostos torna inevitável num país onde o "maná" não cai de céu, foi
bastante para fazer saltar a rolha, mal contida, da ansiedade dos que esperam
os seus “deslizes” para os glosar em proveito dos seus interesses eleitorais,
como ouvi a um jornalista (!!!) que me pareceu muito carente do conhecimento,
do bom senso e da isenção que se espera de quem tenha tal profissão. Um
afrontamento inaceitável à independência decisória de um tribunal que, pelos
vistos, vive em outro mundo, foi como tal jornalista classificou o que disse
Passos Coelho.
Não acredito que um
jornalista não tenha uma noção mais clara da realidade e tome os direitos
constitucionais como uma razão intransponível para negarmos as nossas
responsabilidades perante os credores e os seus direitos estabelecidos num
acordo firmado em hora de aflição. Nem vejo como a sua inteligência lhe
consente fazer das decisões que o Tribunal Constitucional alemão em condições
de normalidade, termo de comparação com as que ao Tribunal Constitucional
português compete tomar em situação de resgate financeiro.
Não creio que não
reconheça ser a situação que vivemos uma que a Constituição não prevê e para a
qual, sendo assim, não tem solução. Tal como muitas das leis ordinárias perdem o
seu sentido de aplicação em casos de “estado de sítio”, também os direitos
constitucionais deveriam ser reduzidos a um simples critério de justiça e de
equidade na distribuição dos inevitáveis sacrifícios que as consequências de um
resgate financeiro nos impõem.
Parece de tontos esta
guerrilha entre o poder político e o poder do Tribunal Constitucional que torna
numa política de pescadinha de rabo na boca aquela que faz da Constituição a
razão de ser de tudo quando, de modo algum, o pode ser.
Há muito que se tornou
evidente a oportunidade de uma revisão constitucional profunda que a adapte a
novas realidades que o espírito que a ditou desconhecia, bem como a necessidade
de reconhecer como abdicação de certos direitos o acordo de resgate que, para
evitar piores males, em momento de extrema necessidade foi assinado.
Apenas não poderemos
abdicar da equidade na determinação dos sacrifícios que todos deveremos fazer.
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