ACORDO ORTOGRÁFICO

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sábado, 10 de maio de 2014

A POLÍTICA DE “PESCADINHA DE RABO NA BOCA”

Mais do que a austeridade, começam a ser difíceis de suportar os disparates que por aí se dizem, mas que uma reflexão descomprometida deveria evitar, pois são a causa de dificuldades acrescidas no momento difícil que vivemos e de equívocos em decisões das quais nos poderemos muito vir a arrepender.
É certo que o Primeiro-Ministro não é, de todo, o “animal político” que melhor contorna os ataques perversos que a Oposição, naturalmente, lhe dirige. Por vezes parece, até, demasiadamente ingénuo e determinado quando a “ratice”, por outros tão bem manobrada, granjeia bem melhores resultados. A frontalidade e a determinação podem ter evitado, ao seu governo, problemas de percurso que, de outro modo, quase por certo teriam acontecido com graves prejuízos para todos nós, mas, em contrapartida, tem-lhe valido as críticas fáceis do “malabarismo palavroso” em que a nossa democracia se especializou.
No Parlamento, em resposta a uma pergunta simploriamente ardilosa, a de se iria aumentar mais os impostos, Passos Coelho afirmou que nada lhe poderia garantir não ter de o fazer pois não conhecia, ainda, a apreciação constitucional a algumas das suas propostas de redução de despesa.
Apesar de ser a resposta lógica que a alternativa cortar despesa ou agravar impostos torna inevitável num país onde o "maná" não cai de céu, foi bastante para fazer saltar a rolha, mal contida, da ansiedade dos que esperam os seus “deslizes” para os glosar em proveito dos seus interesses eleitorais, como ouvi a um jornalista (!!!) que me pareceu muito carente do conhecimento, do bom senso e da isenção que se espera de quem tenha tal profissão. Um afrontamento inaceitável à independência decisória de um tribunal que, pelos vistos, vive em outro mundo, foi como tal jornalista classificou o que disse Passos Coelho.
Não acredito que um jornalista não tenha uma noção mais clara da realidade e tome os direitos constitucionais como uma razão intransponível para negarmos as nossas responsabilidades perante os credores e os seus direitos estabelecidos num acordo firmado em hora de aflição. Nem vejo como a sua inteligência lhe consente fazer das decisões que o Tribunal Constitucional alemão em condições de normalidade, termo de comparação com as que ao Tribunal Constitucional português compete tomar em situação de resgate financeiro.
Não creio que não reconheça ser a situação que vivemos uma que a Constituição não prevê e para a qual, sendo assim, não tem solução. Tal como muitas das leis ordinárias perdem o seu sentido de aplicação em casos de “estado de sítio”, também os direitos constitucionais deveriam ser reduzidos a um simples critério de justiça e de equidade na distribuição dos inevitáveis sacrifícios que as consequências de um resgate financeiro nos impõem.
Parece de tontos esta guerrilha entre o poder político e o poder do Tribunal Constitucional que torna numa política de pescadinha de rabo na boca aquela que faz da Constituição a razão de ser de tudo quando, de modo algum, o pode ser.
Há muito que se tornou evidente a oportunidade de uma revisão constitucional profunda que a adapte a novas realidades que o espírito que a ditou desconhecia, bem como a necessidade de reconhecer como abdicação de certos direitos o acordo de resgate que, para evitar piores males, em momento de extrema necessidade foi assinado.

Apenas não poderemos abdicar da equidade na determinação dos sacrifícios que todos deveremos fazer.


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