(o carro de um futebolista do Sporting vandalizado em nome de divergências clubistas ou de sabe-se lá que outros interesses)
Já não é a primeira vez que me refiro a uma
cena que presenciei no dia 26 de Abril de 1974, quando alguém, nas barbas de um
polícia, estacionou o carro em cima do passeio. Ao reparo, inevitável, do
agente responsável pela ordem, o transgressor respondeu “Ó sr Guarda, isso era
ontem. Hoje estamos em democracia!”
Esta atitude que, em tudo, ia contra o
entendimento que eu tinha do que seria um regime por que ansiava e no qual
pretendia viver a minha liberdade, preocupou-me seriamente. Seria a democracia,
afinal, um regime sem regras cívicas que permitia atitudes como esta? Seria o
desrespeito pelo civismo a sua marca? Estaria o relacionamento entre os
cidadãos sujeito à grosseria que cada um julgasse ser seu direito praticar?
Esperei que o tempo me mostrasse que não,
porque, sendo a democracia um símbolo da civilização, a liberdade que pressupõe
a convivência respeitosa de ideias, sentimentos ou de religiões diferentes, jamais se transformaria num regime libertino
no qual as liberdades individuais, na sua ânsia do ilimitado, inevitavelmente
dariam aso a atitudes de agressão que a “tolerância democrática” tem de aceitar.
Mais do que isso, seria essa liberdade de expressão aproveitada para agressões
a que a obrigação de ser democraticamente tolerante daria legitimidade?
O que vejo, seja na política seja em outro
domínio qualquer, é a “anarquia democrática” que transforma insultos e atentados
ao bom nome em direitos que mais não são do que a capa que tenta encobrir as
insuficiências da falta dos argumentos que permitiriam a discussão civilizada
que a democracia supostamente seria.
Quarenta anos depois, a liberdade
democrática que eu esperava ainda não conseguiu impor-se à grosseria da
liberdade acéfala com que afirmam praticá-la, aos desmandos selvagens com que
demonstram as suas divergências nem à “liberdade de expressão sem ideias” que
muitos praticam em proveito de certos interesses.
Por isso, em nome da tolerância criticam-se
os ofendidos e não os que ofendem, louvam-se os que usam a “liberdade” para
atacar ou escarnecer e criticam-se os que apelem ao direito de se defender porque,
deste modo, praticam uma “reprovável beligerância”.
Ao fim de quarenta anos tenho de reconhecer
que, afinal, tinha razão aquele que deixou no “ontem” os princípios de civismo
que uma “liberdade falsa” destruiu.
Felizmente, a democracia sã não é isto e, quem sabe, ainda um dia a venhamos a viver.
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