ACORDO ORTOGRÁFICO

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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A MINHA EXPERIÊNCIA DE PRAXES

Começo por dizer que me repugnam os procedimentos praxistas exagerados que, mesmo distantes dos que já foram causa de dramáticas consequências, envolvem humilhações e outros abusos que, digam o que disserem, jamais podem ser indispensáveis à integração dos novos alunos nas comunidades académicas.
Obviamente, tive as minhas experiências de integração, a primeira das quais foi aos 10 anos, quando, pela primeira vez, me afastei dos meus pais e da minha casa para poder fazer o Liceu, na Guarda, uma cidade com fortes tradições académicas, inspiradas nas de Coimbra.
Os estudantes eram a animação daquela cidade com os seus procedimentos atrevidos e irreverentes mas alegres que, muito raramente, excederiam o que era socialmente aceitável, como me parece próprio de quem atinge um certo nível educacional.
A praxe de integração, para além das “reverências” a que os veteranos tinham direito e, consequentemente, os caloiros tinham de lhes prestar, não era mais do que o ali famoso “baptizado dos caloiros”.
Numa longa procissão de miúdos envolvidos em lençóis, dirigíamo-nos à “dorna”, onde tinha lugar a cerimónia que consistia em lançar água sobre o caloiro, mais ou menos intensamente consoante a apreciação que dele tivesse sido feita ou da protecção que o “padrinho”, um veterano, lhe pudesse dar. Em casos extremos, mas raros, poderia o caloiro, recalcitrante ou mais participante, ter direito a um banho por inteiro, o que não era muito agradável no tempo frio que, na altura, por lá fazia.
Toda a cidade apreciava esta prática e o dia era de festa.
Uma ou outra rapadela de cabelo, embora raramente, podia ser o castigo de um caloiro encontrado na rua fora de horas!
Vim, depois, para Lisboa onde, então, se não usavam trajes académicos e, com bastante pena, tive de arrumar a minha “capa e batina” de que tanto gostava. Mas ainda conservo, algures, a colher de pau que se usava naqueles dias especiais, engalanada com as fitas que eram oferecidas por pessoas especiais também.
Em Lisboa, a integração fazia-se nos famosos bailes de caloiros que sempre se realizavam, com alguma imponência, em lugares amplos e bem conhecidos. Eram muito concorridos e neles aconteciam encontros e se faziam amizades, algumas bem duradouras.
Lembro-me que foi num desses bailes que eu ouvi, pela primeira vez e na voz de Mário Fernando, a "canção do mar" que, muito tempo depois, Dulce Pontes fez renascer.
Depois, foi o final do curso com o famosíssimo Baile de Finalistas que, no Instituto Superior Técnico, assumia uma pompa que o tornava num acontecimento social relevante, porventura o mais famoso de Lisboa.
AS praxes de integração a que fui sujeito, nada tinham a ver com rituais secretos e abusivos e não creio que, por isso, não fossem adequadas a uma integração total na nova comunidade de que passava a ser membro.
Naturalmente, os procedimentos alteram-se, sofrem mudanças que temos de aceitar. Mas que vão ao ponto a que já chegam em alguns casos, que impliquem a possibilidade de ofensas graves à dignidade e á integridade física das pessoas que, por vezes, têm lugar, é que me parece não fazer qualquer sentido.
Não sei pormenores do que se terá passado na Praia do Meco e que, estupidamente, ceifou a vida a seis jovens. Mas tudo aquilo que já se conhece me faz pensar em coisas estranhas, em procedimentos macabros que nenhuma praxe deve comportar.

A vida académica é um período da vida muito especial, no qual me parece fazerem pouco sentido práticas que não correspondam à alegria de viver.


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