ACORDO ORTOGRÁFICO

O autor dos textos deste jornal declara que NÃO aderiu ao Acordo Ortográfico e, por isso, continua a adoptar o anterior modo de escrever.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A EUROPA DO APARTHEID

Nunca fui um europeísta convicto. Melhor talvez, sempre fui um europeísta desconfiado! Desconfiei do altruísmo com que, subtilmente, a Europa nos aliciava e nunca me enganou o oportunismo com que nela quisemos entrar, porque nunca senti, sem ambiguidades, o ideal europeu do qual resultaria um todo unido e forte que faria da União Europeia o espaço dentro do qual todos prosperaríamos em conjunto.
Por isso, aceito a participação na União Europeia como um mal menor depois do “orgulhosamente sós” que, outrora, foi o lema de uma “independência” que não pode ter hoje os mesmos contornos de então e como uma fatalidade a que a nossa localização geográfica praticamente nos condena.
Mas não seria, porém, a única alternativa para acabar com o isolamento, porque outras razões, porventura mais fortes do que a proximidade, existiam e nos poderiam ter conduzido por outros caminhos que, infelizmente, não trilhámos porque não eram os de quem se “apoderou” da Revolução de Abril, porque estavam na Europa, mais no centro ou mais a leste, os seus interesses, os seus apoios ou os seus ideais.
De qualquer modo, tentar construir um todo razoavelmente uniforme, uma união que esbatesse a desigualdades existentes nos numerosos países que dividem este pequeno Continente, procurando nela a força que, cada um de per si, não teria perante uma economia global que a um por um esmagaria, poderia ser uma intenção generosa, se não fosse egoísta como está a revelar-se, mas seria sempre arriscada, longa e trabalhosa.
Um projecto tão ambicioso e historicamente único deveria ter fundamentos e convicções muito sólidos, dos quais nunca me dei conta, em vez dos interesses económicos que a proximidade alimenta.
A construção da Europa necessitaria, igualmente, de longos tempos de adaptação e de transição para uma cultura europeia que não nasceria em breves dezenas de anos. Teria de prosseguir um projecto bem pensado e muito claro para que não houvesse dúvidas quanto às suas intenções.
Em suma, construir a Europa teria de corresponder a um processo claro, muito bem definido e cuidado, prudente e percorrido com passos cautelosos, com procedimentos bem sedimentados, o que diversas e, quanto a mim, inoportunas acelerações do alargamento nunca consentiram.
Porque foi oportunista, a construção da Europa foi descuidada. A rapidez deixou vazios enormes e fez perder a noção do espaço integrado que os seus mentores iniciais terão sonhado porque, como sempre acontece, ao sonho se segue a realidade que é a diversidade de interesses e as desigualdade de poderes que fazem, agora, da União Europeia uma manta de retalhos sem uma identidade comum e sem interesses verdadeiramente partilhados.
Sobretudo na zona do euro na qual nos integrámos, talvez sem o dever fazer, as divergências de interesses são mais óbvias ainda. O que deveria ser feito para resolver os problemas resultantes de uma errada política de desenvolvimento, não o pode ser porque os “princípios” que em cada país imperam impedem o que deveria ser feito no interesse comum.
Enquanto o Tribunal Constitucional português impede muitas das soluções que os que nos “apoiam” financeiramente nos impõem, o Tribunal Constitucional alemão torna impossível, naturalmente em nome dos interesses alemães, uma solução que proteja, definitivamente, os países em maiores dificuldades das especulações dos mercados que acabarão por destruí-los.
A crise do euro que afecta, por isso e sobretudo, as “economias” periféricas, entre as quais Portugal, constitui o maior pomo de discórdia que se tornou mais do que evidente nos procedimentos de “ajuda” que se traduziram na austeridade que há anos vivemos e da qual, matematicamente, se não vislumbra a saída sem os procedimentos que o TC alemão não consente.
Não somos únicos nesta situação de vulnerabilidade que nos faz sermos os atrasados na Europa a duas velocidades como os mais fortes pretendem, exactamente a filosofia de um “apartheid” já desfeito em África mas que na Europa faz o seu caminho.


Sem comentários:

Enviar um comentário