Ontem, na Assembleia da
República e quando se tratava de falar sobre o Orçamento de Estado acabado de
apresentar pela Ministra das Finanças, soou-me a trágico-cómico o pedido da
bancada do PSD para “tréguas” no combate partidário para que o país se livre do
“abismo demográfico” para onde a baixíssima natalidade o atira. Como se este
gravíssimo problema que distorce perigosamente a estrutura etária que inviabilizará,
a curto prazo, a solidariedade de que o Estado Social necessita, se resolvesse num
clima de pacifismo forçado, em vez de num ambiente de inteligência esclarecida!
As reacções ao pedido foram
imediatas e, como seria de esperar, em discursos patéticos, a Oposição pôs no
Governo as culpas do que se passa.
Decidi prestar mais
cuidada atenção ao repentismo verboso de uma conhecida deputada de “os Verdes”.
Contive a racionalidade, fiz tábua rasa da inteligência e deixei-me envolver
pela emoção que o seu enérgico e comovente discurso inspirava. No final,
apeteceu-me bater-lhe palmas como alguns naquele hemiciclo lhe bateram e como,
por certo, o fizeram alguns dos que, como eu, a escutaram numa qualquer emissão
de TV!
As críticas ao Governo
que, em sua opinião, é o grande causador da baixa natalidade foram firmes,
inflamadas, daquelas que não podem deixar dúvidas a quem as escutar. O
desemprego, a elevada carga fiscal, os baixos salários e tudo mais que a inevitável
contenção financeira implica são, para ela e para a generalidade da Oposição,
as causas do problema em nome do qual o PSD pede tréguas, decerto para desviar
atenções de mais um Orçamento troikista em que dizem ser evidentes as razões que
o agudizam.
Que este pedido não passa
de uma farsa é, pois, a conclusão para a qual Heloísa Apolónia não admite
contradição.
Obviamente, não me
deixaria ficar, para sempre, naquele estado de hibernação mental a que, por
momentos, me prestei. Regressado à realidade, em vez de bater palmas senti uma vontade
enorme de dizer-lhe para acordar também e, em vez dos discursos inflamados que
tantos incautos iludem, prestar atenção à realidade de um fenómeno que é bem distinta
daquela que ali pintou.
O decréscimo da natalidade
não é, de todo, uma consequência dos três anos de austeridade que, para evitar
males maiores, o Governo teve de assumir em troca de um resgate financeiro que
leviandades sucessivas obrigaram a pedir. Vem já de longe, de hábitos egoístas
que a economia consumista foi gerando, este fenómeno que, desde há muito, põe
em risco o valor maior de um país que é o seu povo, os seus hábitos e, mesmo até, as suas virtudes.
Mas quando a memória é
curta e são persistentes os interesses que tentam iludir a verdade, resta o
recurso ao que, ao longo do tempo, ficou registado em estatísticas que os
arrazoados oportunistas não podem perverter, as quais mostram que a natalidade
decresceu mesmo quando quase não havia desemprego e todos pensávamos viver num
país de abundante riqueza.
Desde o começo da década
de sessenta do século passado que a taxa de natalidade decresce em Portugal
atingindo, em 2012, o baixíssimo valor de 8,5 nascimentos por cada 1000
habitantes, o segundo mais baixo de toda a União Europeia.
Mas não é este um fenómeno
português porque acontece assim em todo o mundo dito “civilizado”. Não passa de
uma das várias graves doenças das quais a civilização enferma e põe em risco a
própria Humanidade.
Depois de tudo isto
apetece-me perguntar: são estes lunáticos que nos representam naquela
Assembleia onde, pretensamente, os nossos problemas se resolvem?
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