ACORDO ORTOGRÁFICO

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terça-feira, 18 de setembro de 2012

ESQUERDA E DIREITA FARÃO AINDA ALGUM SENTIDO?

(publicado no nº de Setembro do NM)


Uma definição distingue, de tudo o mais, aquilo que é definido. Demarca um espaço, referencia um objecto, declara uma intenção, aponta um objectivo ou determina um caminho num extenso universo de possibilidades. Definir, tal como analisar, é uma limitação que a insuficiente capacidade de entendimento impõe. É, por isso, uma imperfeição que a evolução do conhecimento tende a corrigir.
Foi e é assim, mas na política, onde as suposições com excessiva frequência se sobrepõem às verdades, onde o que se deseja que fosse deixa na sombra o que realmente é e mais se cuida de interesses próprios do que daqueles que tornariam melhor a vida de todos, as definições não se corrigem, adaptam-se e, tal como os preconceitos, conseguem, por muito tempo, sobrepor-se às evidências. Por isso, cada vez fazem menos sentido e dificultam pensar as coisas à luz dos novos conhecimentos que se vão revelando, impedem de pensar de modo mais conforme com a realidade de dias que, em quase tudo, são diferentes daqueles que justificaram denominações que, ao longo do tempo, se foram multiplicando, subdividindo o espaço político, porém sem perder a referência dicotómica a que a Revolução Francesa, há mais de duzentos anos, deu origem.
“Direita” e “Esquerda” começaram por separar, então, os que não desejavam dos que desejavam mudar o regime. Os efeitos de outra revolução, a Revolução Industrial, levaram Engels e Marx a adaptar o confronto, transformando-o na “luta de classes” que o comunismo usou para implantar um regime mal sucedido como via para o socialismo que a realidade desmistificou e, também, o oportunismo das “vanguardas esclarecidas” aproveitou numa luta pelo domínio planetário que, do mesmo modo, fracassou.
Porém, o conceito perdura e, como definições que são, “Direita” e “Esquerda” dividem entre si, de um modo estanque, objectivos, intenções, conceitos, princípios e atitudes que reclamam como apenas seus, como numa luta entre o bem e o mal, pretendendo representar, de modo exclusivo, partes distintas de um todo que é a sociedade onde, em vez de batalhas ideológicas estéreis, seria a cooperação a conseguir realizar o desenvolvimento que não pode ser outro senão o que resulte de um projecto de todos.
Apesar de ser assim, conservam-se as velhas definições que já não separam modos diferentes de sentir e de pensar as melhores vias para o futuro, porque pouco mais são do que um factor de distinção e de confronto entre forças políticas às quais a democracia consente a disputa do poder na presunção de que será usado para alcançar o bem comum.
Apenas assim poderão ter uma explicação os disparates que se ouvem de pessoas que, seja qual for o partido que tomem, não podem deixar de ser inteligentes. Mas, infelizmente, há preconceitos que destroem a clarividência, há interesses que pervertem valores, há egoísmos que sufocam os mais nobres ideais.
Os “chavões” e as “palavras de ordem” que, desde há muito, os actores nesta luta pelo poder utilizam, com raras variações de forma e sem sensíveis alterações de conteúdo, são prova da caducidade de algo que não faz sentido neste tempo de preocupações bem distintas das que foram a sua razão de ser.
As ideologias pararam no tempo como se nada se tivesse mudado ao ponto de as influenciar e nem os mais actuais conhecimentos do meio em que vivemos conseguem fazer-lhes ver os novos caminhos que as circunstâncias impõem, nos quais não cabem as grandezas que sonharam mas apenas as que, com as capacidades de que dispomos, conseguirmos alcançar. Por tal razão se degradaram as suas visões do futuro e a persecução de ambições realizáveis, não conseguindo melhor do que serem conjuntos de “princípios” semelhantes a “cartilhas” de grupos com interesses distintos e conflituais, ao contrário do que sucederia com o saber, com a tolerância, com a prudência, com a abertura de espírito e com a cooperação que o ideal democrático também contempla, os quais acabariam por fazer convergir os esforços em áreas de interesse comum, gerando a força capaz de promover o almejado e possível bem-estar social. Esta seria uma nova plataforma para um confronto são entre ideologias para o futuro, em vez de um confronto que procura, sobretudo em razões do passado, argumentos para estar contra sem importar o que já não haja, sem interessar o que já não seja nem preocupar o que possa acontecer, porque “ideologias cristalizadas” são coisas que não se alteram, não se discutem nem se rejeitam e, muito menos, se traem. Por isso, uns delas tiram proveitos que outros desejam também e lhes disputam, enquanto, em outros ainda, despertam fidelidades, interesseiras umas e ingénuas outras, que aos primeiros muito convêm porque constituem a sua base de apoio, a caixa de ressonância que pode convencer a maioria dos que apenas se deixam arrastar!
É nesta irracionalidade que a política actual persiste e se torna responsável por enormes danos que parece longe de desejar corrigir e de numerosas perdas já impossíveis de recuperar.
Poucos se dão conta da natureza do campo em que batalham que, depois do descalabro dos ideais que o comunismo e a União Soviética tentaram impor, se restringe agora ao que o capitalismo demarca, com os mesmos objectivos de crescimento económico contínuo a todo o custo que uma realidade finita não consente e se não coaduna com a solidariedade que uma evidente e crescente escassez exige.
De direita ou de esquerda, socialistas ou liberais, todos têm apenas um modelo como referência, seja para o defender ou para o atacar, seja para o que deve ou não deve ser feito, seja, também, para os direitos que, nele, cada um pretende garantir e para os proveitos que, dele, todos querem retirar.
É neste regime único que tudo acontece, as “conquistas”, os benefícios, a segurança social, a educação, os serviços de saúde, o pagamento de salários, a solidariedade, a corrupção e a remuneração do próprio capital que, quando os meios financeiros se esgotam, perdem força e razão de ser, pela simples razão de não haver com que os pagar. Por isso, os objectivos que dinheiro “que de algum lado há-de vir” pagará, não passam de utopias irrealizáveis que outras realizáveis devem substituir, outras que o trabalho continuado, o planeamento e a organização podem fazer ainda melhores do que aquelas que o voluntarismo descuidado sonha sem cuidar das condições para as sustentar.
Não significará isto a eliminação de diferenças que da riqueza do espírito humano sempre resultarão, nem sequer será razão para que o Homem deixe de sonhar porque, tão só, significa a necessidade de ajustamento a uma realidade diferente daquela em que se basearam os pressupostos do bem que almejamos, de consideração dos novos saberes a que o estudo e a experiência nos conduziram, dos reequilíbrios que forças maiores nos impõem e, consequentemente, do reconhecimento dos valores sociais e morais que de tal resultam.
Para além de tudo o mais, a Natureza mostra-nos, de modo cada vez mais claro, que para além dos regimes e das ideologias há um destino fatalmente comum que recusa alguma pode alterar!
Não é apenas na “economia” que necessitamos de um novo paradigma, porque também na política a sua necessidade é, a cada dia que passa, mais evidente.
Seja como for, as mudanças irão acontecer. Apenas não sei quanto tempo ainda os interesses instalados conseguirão retarda-las.
Rui de Carvalho
Agosto de 2012

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