Faz hoje cinquenta anos
que a Ponte da Arrábida foi inaugurada, poucos dias depois daquele em que se
completaram cem anos desde o nascimento de quem a concebeu e projectou, o
Professor Edgar Cardoso.
Fui seu aluno e tenho o
gosto de haver merecido a sua amizade pessoal que, pela sua vida muito ocupada,
não pude usufruir tanto quanto gostaria.
Recordo aquele sexto e
último ano do curso de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico quando o
Professor tinha como maior preocupação aquela maravilhosa obra de engenharia
que era o cimbre do majestoso e elegantíssimo arco de betão armado que foi,
então, o de maior vão em todo o mundo! Construí-lo e, depois, ripá-lo para a
betonagem do arco paralelo, foi a parte mais delicada e engenhosa de todo o
projecto que levou a engenharia portuguesa ao topo da engenharia mundial.
Falou-nos desta sua obra
nas aulas, com o entusiasmo próprio de quem falava de um filho muito querido
que lhe fazia perder muitas noites de sono. Parecia-me que, de cada vez que falava
do projecto lhe surgia uma ideia nova, imaginava uma forma diferente de por em
prática o que pensava. Afinal, Edgar Cardoso era assim mesmo pois, tal como de
viva voz um dia me disse, cada vez que terminava uma obra sabia, exactamente,
como não faria a próxima.
Era um engenheiro muito
especial, o mestre de uma engenharia cujo princípio fundamental era não ter
princípios invioláveis, não ter preconceitos. Com ele aprendi a por tudo em
causa e, apesar de me não ter dedicado a estruturas, pois preferi a hidráulica,
foi a sua atitude irreverente, não acomodada e de insatisfação constante que
sempre me orientou.
Das vezes que nos
encontrámos, uma das últimas foi numa ida ao Porto onde ele ia visitar a obra
da ponte do Freixo. Convidou-me a segui-lo e suei as estopinhas para o
acompanhar subindo e descendo andaimes, apesar dos mais de vinte anos que
separavam as nossas idades. No regresso a Lisboa, no combóio, a nossa conversa
foi, tinha de ser, sobre engenharia. Agradável e complicada, como sempre.
Entre muitas coisas que
poderia recordar, vou terminar com um episódio que ficou célebre e foi do
conhecimento público, o da pala do velho Estádio de Alvalade, no qual a sua
opinião divergia da dos que entendiam estar aquela estrutura em más condições
de estabilidade. Apesar daqueles “saltos” do velho Professor em cima da pala
para mostrar que tudo estava bem, o reforço acabou por ser feito. Na dúvida,
pareceu-me sensato, mas seria natural que, quando a pala foi demolida, houvesse
interesse em esclarecer se as baínhas e os cabos de pré-esforço da pala estavam
em boas condições, como o Professor garantia, ou se o reforço feito era, ou
não, necessário.
Eu morava ali ao lado e
preocupei-me em verificar se alguém por isso se interessou. Ninguém! Tenho pena
porque é assim que o saber progride. O Professor, se ainda fosse vivo, tê-lo-ia
feito. Com certeza.
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