Vivi
quarenta anos de um regime autocrático que, por ser assim, me desagradava e
outros tantos levo vividos desta democracia que, pelos resultados a que
conduziu, frustrou as esperanças que eu tinha numa liberdade que soltasse as
mentes fulgurantes que julgava castradas por uma censura odiosa e desinibisse
os génios brilhantes aos quais a rigidez do regime tolhia a criatividade.
A
realidade, porém, não me mostrou, para além da liberdade de expressão que à
dignidade humana é devida, muito mais do que o voluntarismo bem-intencionado de
alguns e o oportunismo dissimulado de muitos, talvez o que leva Soares a
considerar “ignorantes e idiotas” e indignos de governar os que dele discordem
no modo de pensar e de fazer as coisas, o que não é, de todo, o que se espera
de uma democracia que respeita o pluralismo, tem regras para fazer as coisas e
onde a sapiência arrogante não faz qualquer sentido.
Não
posso sentir-me feliz entre tanta gente que feliz se não sente também, como
deduzo das queixas que grita, decerto porque, tal como eu, esperava mais e
diferente de um novo regime que prometia a cura de todos os males dos quais
julgávamos sofrer.
Esquecemos,
talvez, a nossa quota-parte no esforço em prol do bem comum e da vida melhor
que pretendíamos alcançar, assim como os riscos próprios da liberdade quando
não é usada com os melhores propósitos.
Apesar
dos avanços tecnológicos dos quais, ao longo deste tempo, me dei conta, ou
talvez por causa deles, não sinto que certos “confortos” me proporcionem uma
vida melhor do que a que por meu esforço apenas consegui, sem esperar que
outros ou o Estado fizessem o que apenas a mim competia fazer. Uma atitude diferente
da que vejo nas razões de algumas greves quando não defendem claros direitos
legítimos mas sim obscuros interesses de grupos, de ideologias ou de classes
como, para mal de todos nós, por vezes demais acontece.
É
uma sensação estranha de tempo e de esforços perdidos a que me inspira a
leitura de uma afirmação atribuída a Marcelo Caetano que, em meu juízo, não
pode ser ilibado das consequências da sua própria “profecia”: “em poucas
décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações
(…..) veremos alçados ao poder analfabetos, meninos mimados, escroques…”.
Parece
existir, por parte de Soares, uma certa concordância com Marcelo na avaliação
que faz dos nossos governantes. Não sei se tal justifica as desgraças que a
“profecia” apontou e nem me fica claro se Soares pretende considerar-se a
excepção neste Portugal há tanto tempo tão mal conduzido.
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